Número de pessoas com deficiência visual chega a 2,2 bilhões, dos quais quase metade teria tratamento; professor da USP integra grupo que produziu relatório divulgado pela OMS
Silvana Salles/Jornal da USP
Pelo menos 1 bilhão de pessoas em todo o mundo convivem com algum grau de deficiência visual sem necessidade, pois ainda não chegaram aos consultórios oftalmológicos ou poderiam ter sido tratadas antes de perder a visão. Esta estimativa é o principal destaque de um relatório divulgado na última terça-feira (8) pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O World Report on Vision foi produzido por um grupo independente de especialistas para marcar o Dia Mundial da Visão, que foi comemorado ontem, dia 10 de outubro. Os especialistas calcularam que existem hoje cerca de 2,2 bilhões de pessoas com deficiência visual. Quase metade poderia enxergar se tivesse acesso aos serviços de saúde especializados.
“As duas causas principais (são) falta de óculos ou catarata”, conta o médico oftalmologista João Marcello Furtado, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e integrante do grupo que produziu o relatório. Na medida dos oftalmologistas, uma pessoa tem deficiência visual quando não enxerga cinco das dez linhas que formam a tabela usada nos exames de vista em consultórios médicos.
Se ela está usando óculos e mesmo assim não enxerga as letras menores com o melhor olho, já se considera que há deficiência. Além desta medida para longe, a partir deste ano, a OMS passou a considerar também uma medida para perto. As principais condições médicas que afetam a visão são bastante comuns. As estimativas globais indicam que cerca de 2,6 bilhões de pessoas têm miopia, das quais 312 milhões são jovens com menos de 19 anos. Outro 1,8 bilhão convive com a presbiopia.
A degeneração macular relacionada à idade avançada afeta 196 milhões e a retinopatia diabética, mais 147 milhões. Os números foram calculados a partir da revisão de artigos publicados em publicações científicas, utilizando uma metodologia que pela primeira vez recebe o endosso da OMS.
A soma de pessoas afetadas por condições médicas que prejudicam a visão é muito maior do que o total de pessoas com deficiência visual. E, apesar do número absoluto de pessoas cegas ou com deficiência visual ter crescido, quando comparado com estudos independentes anteriores, a prevalência da deficiência visual diminuiu. Subiu o número absoluto, porém subiu ao mesmo tempo a população total.
No caso da catarata, por exemplo, que se caracteriza por uma progressão na opacidade da lente natural que temos dentro do olho, “a cirurgia é muito efetiva. Ela pode restaurar e bem a visão, a tecnologia que a gente tem é adequada, não é uma doença que precise de grandes avanços no conhecimento. É uma tecnologia que está bem estabelecida e não é feita, muitas vezes, pela dificuldade de acesso ao tratamento”, diz Furtado.
No Brasil, a cirurgia é coberta pelo SUS. Ainda assim, Furtado afirma que a catarata é uma das principais causas por trás das estatísticas nacionais. Baseado em dados de 2015, o médico aponta que há 690 mil brasileiros cegos e 3,3 milhões de pessoas com deficiência visual moderada ou grave. A exemplo do que ocorre em outras partes do planeta, particularmente nos países de renda média e baixa, o acesso aos serviços de saúde é permeado por desigualdades.
“Pessoas em área rural têm maior dificuldade de acesso, então têm uma chance maior de ser deficiente visual. Pessoas de países pobres (também). Em alguns países, o fato de você ser mulher aumenta sua chance de ser deficiente visual. Idosos, já que a maioria das causas de deficiência visual acontecem mais em idosos, e pessoas com algum outro grau de deficiência”, lista Furtado.
“Em alguns países e regiões, algumas minorias étnicas, por exemplo alguns grupos indígenas, também têm risco maior porque normalmente têm menos acesso a serviços de saúde”, completa o médico. Para mitigar o problema, o relatório divulgado pela OMS traz algumas recomendações aos sistemas de saúde. Entre elas, incluir a oftalmologia na cobertura universal de saúde, investir em pesquisa e fazer campanhas sobre a importância da saúde dos olhos.