Tem garrafa vazia pra vender?
Carlos Nogueira |
Carlos Nogueira (*)
Vivi 32 anos entre fábricas e tecnologia da informação em uma grande corporação mundial. Tudo começou em meados dos anos 80 dentro de uma fábrica de biscoitos no Belenzinho, São Paulo. Lidando com pessoas simples e com pouco grau de instrução aprendi desde muito cedo o poder da empatia. Participei e implementei muitas mudanças nestas três décadas. Muitas deram certo, com as outras aprendi muito. No início dos anos 90 reduzimos drasticamente os níveis hierárquicos dentro da fábrica, de sete para três. Com 25 anos na época, em poucas semanas tinha todo o time de operadores composto 70% por mulheres, empoderado, consciente da sua influência no processo produtivo e tomando decisões até então atribuídas a supervisores e encarregados. Ver aquelas senhoras simples e ao mesmo tempo experientes, muitas com mais de vinte anos de casa, tomando decisões de parar a produção, discutir suas razões com os mecânicos de linha e engenheiros… ha-ha-ha… foi um choque para muitos… a energia pulsava.
Meu pai, que muito me influenciou na escolha da minha carreira teve uma origem muito simples. Nascido no interior de Minas Gerais ainda carrega marcas no corpo de varadas que levou ainda muito criança para deixar de ser de criança e trabalhar para trazer dinheiro para casa. Aos 5 anos vendia pipoca na rua. Catou “bosta” de vaca para vender como esterco, pediu muita garrafa vazia nas casas para vendê-las depois. Dentre os inúmeros aprendizados me marcou, um termo que ele usou muitas vezes para falar de situações onde um indivíduo busca todos os seus recursos, todas as suas reservas para enfrentar um oponente ou uma situação difícil; o termo é: “vamos ver no final quem tem garrafa vazia para vender”.
Ao encerrar meu ciclo corporativo decidi tirar um período sabático e investir meu tempo para entender o que está passando no mercado no que se refere a inovação, tecnologia e comportamento. Os avanços em inúmeras áreas de tecnologia provocaram uma transformação digital e cognitiva imensa que, queira ou não, afeta a todos nós individualmente e profissionalmente. Este cenário me faz afirmar que a frase aprendida com meu pai, ainda que não estejamos usando as mesmas palavras, é extremamente atual.
Somos desafiados a usar todas as nossas forças para nos adaptar à esta nova era. É tempo de reaprender muitas coisas. Alvin Toffler, escritor americano e futurista, escreveu nos anos 70 que vivemos a fase onde todos precisam aprender, desaprender e reaprender outra vez. Isto vale para todos os assuntos – de tecnologia a relacionamento humano.
Nem todos que me leem neste momento se sentem confortáveis ao abordar termos como indústria 4.0, big data, internet das coisas… contudo quase todos usam diariamente o Whatsapp, o Waze, o Google Maps, o UBER. Estas soluções que facilitam muito os problemas de comunicação e locomoção de cada um de nós, são exemplos de produtos surgidos numa época onde a tecnologia abundante evolui de forma assustadora a partir da chegada dos smart-phones na metade dos anos 2000. O celular que hoje temos nas mãos é um zilhão vezes mais potente e mais barato que o sistema de computadores da NASA que em 1969 levou astronautas à Lua.
O poder computacional destas máquinas cresceu muitíssimo. E é este poder imenso de processamento de dados que permite os avanços que hoje experimentamos. Não precisamos ir no detalhe técnico, mas no momento em que escrevo ligo o meu aplicativo Waze e percebo que 94.642 usuários na minha região estão compartilhando sua localização e deslocamento no trânsito de São Paulo, o que permite ao aplicativo indicar a rota mais rápida entre o ponto que estou e onde quero ir. Dados, dados e mais dados… de tudo e de todos. Apesar da crescente e mais do que sensata preocupação com a privacidade de informações de cada indivíduo, avanços com o exemplo do Waze somente são possíveis porque existem muitos dados que combinados traduzem a situação do trânsito em cada rua por onde. Vivemos uma economia compartilhada.
Se por um lado os avanços tecnológicos assustam, por outro eles criam enormes oportunidades. É incrível a quantidade de jovens atualmente empreendendo por todo o Brasil, tendo como referência o Vale do Silício (EUA), a China e Israel. Estes jovens de todas as classes sociais usam da abundância de tecnologias habilitadoras e de conhecimento para criar soluções de impacto. São as chamadas ‘startups’, termo que define pequenas empresas que tem potencial grande de crescimento dado à sua agilidade nos ajustes e tomadas de decisão. Essa moçada está inovando, e muito. E muitos deles já estão prontos para se aliar a empresas estabelecidas e explorar oportunidades de melhorar a performance dos seus negócios. Sim, dos seus negócios!
E como fazer para pular neste barco? Deixo algumas dicas:
Comece pelas pessoas: se você tem um negócio, se tem um time trabalhando para você ou com você, inicie com eles. Convide-os para conversar sobre aspectos do dia a dia a como possivelmente a inovação pode contribuir para melhorá-los. Dê chance para todos falarem. Tenha claro que será através deles, do seu time, que as coisas irão acontecer. Empresas são formadas por pessoas.
Aumente o seu conhecimento, assim como de pessoas do seu time. Se você tem dois ou três que se destacam no quesito iniciativa, claridade na comunicação e bom relacionamento com os demais, sugira que eles também busquem mais informação. Muitos eventos gratuitos ocorrem todas as semanas. Vários sites da internet os trazem – particularmente uso o ‘Sympla’ e o ‘Eventbrite’.
Busque ajuda externa. É muito importante contar com a ajuda de alguém que tenha um olhar externo ao ambiente e experiência em trabalhar com equipes, a conduzir o processo e a desafiar o time de forma positiva.
Em conjunto com aqueles três ou quatro e o suporte externo, desenhe uma jornada. Comunique-a a todos, definindo objetivos claros. Estabeleça um processo vivo, mantenha a chama da inovação acesa. É necessário ter alguém ‘tocando o bumbo’.
Dentre as etapas acima e com o devido suporte, interno ou externo, conduza exercícios onde as dores do dia a dia possam ser validadas e ideias de soluções coletadas. Discuta as ideias e permita que as pessoas possam testá-las, ainda que de forma simples. Teste e valide. Errar é mais do que importante para que todos possam aprender.
O processo de mudança tem sempre um perfil de engajamento. Primeiro chegarão os visionários, aqueles que veem a necessidade da mudança e vão lançar a ideia junto com você. Na sequência virão os executores que abraçam a causa e se dedicarão a fazer a mudança. Iniciada a jornada e já tendo alguns resultados iniciais que comprovem estar no caminho certo, os pragmáticos se juntarão. E finalmente quando as coisas estiverem andando chegarão os seguidores. É assim em todos os lugares. Dê tempo para as pessoas pularem no barco.
Espero ter contribuído para disparar o interesse em iniciar a mudança dentro de sua empresa.
E aí, ainda tem garrafa vazia para vender?
(*) Membro dos Empreendedores Compulsivos, é Entusiasta de Transformação Digital, Industria 4.0 e Educação. Possui uma carreira de 32 anos na Nestlé, passando por fábricas e Tecnologia da Informação. Expertise em gestão de mudanças em ambiente multicultural. Vivência internacional, Engenheiro Químico pelo Mackenzie e Pós e MBA em Marketing pela ESPM.