Alessandro Saade (*)
Você que me conhece já sabe da minha paixão por livros, pelo conhecimento, pela cultura. A curiosidade é uma grande companheira que me leva a diversos pontos de vista sobre o mesmo tema. Isso me lembra um filme que usa o mesmo conceito: Ponto de vista (Vantage point), com Forest Whitaker, Dennis Quaid e Sigourney Weaver. Fica a dica.
Mas vamos aos fatos. Escolhi trazer o mercado de livrarias no Brasil pois ilustra, além do cenário econômico, o esforço para uma transformação cultura, de leitura e de consumo, oferecendo novas experiências aos consumidores leitores.
Mas esta história é mais antiga. Vamos lá!
Lá em 2016…
… comentei na minha coluna da BandNews FM sobre uma livraria em Paris, a Librairie des Puf, da editora Presses Universitaires de France, que havia substituído seu estoque físico de livros por uma impressora super rápida que imprime os exemplares na hora, sob demanda. enquanto você toma um cafezinho. Rápido assim. Inclusive este é o nome da máquina, Espresso Book Machine.
O mercado já não estava para amadores naquela época e fizeram uma redução de diversos andares ocupados pela livraria para uma única loja de 80m2.
Já em 2019…
… trouxe o assunto novamente, mas sob uma outra ótica e para o mercado brasileiro. Com o processo de recuperação judicial das duas maiores redes de livrarias do país, a Cultura e a Saraiva, que na época respondiam por 40% das vendas de livros no país, e com a retração de consumo, diminuindo o número de livrarias no país de 3.095 em 2014 para 2.500 em 2019. O cenário trouxe oportunidades para quem pensa diferente e aceita correr certo risco.
Três empreendedores paulistanos lançaram naquele ano a Livraria Simples, que tinha como foco o serviço de localização e venda de livros esgotados e raros. Também trouxe oportunidade para quem já estava no mercado, como a Free Book, especializado em livros importados, inicialmente censurados pela ditadura em 1976, quando foi fundada, e posteriormente oferecendo livros de design, fotografia, moda e arquitetura.
Mas o que está por trás de tudo é um conceito antigo e irrefutável, presente na fala de um dos sócios, Manuel Teixeira Neto, em matéria da Folha:
“Essa é a essência da livraria. O livreiro vende cultura, saber, conhecimento, sonhos.”
O mercado até inverteu a ordem do modelo de negócio vigente. Antes a livraria abria uma cafeteria dentro de suas instalações. Hoje, cafeterias e bares abrem livrarias nos seus espaços. Um exemplo é a Pulsa, livraria aberta dentro do Bar Das, em São Paulo. A ideia por trás do movimento é oferecer temas de livros convergentes com o perfil dos frequentadores do estabelecimento. É o mesmo movimento feito pela cafeteria Por Um Punhado de Dólares, que abriga agora uma livraria e loja de discos de vinil.
Mais próximo da pandemia, em 2020…
… a criatividade abria portas, bolsos e carteiras. O empresário e livreiro José Luiz Tahan, dono há 20 anos da Realejo Livros, livraria e editora em Santos, viu a interação dos clientes durante a pandemia crescer nas redes sociais, pedindo orientações e dicas de livros, uma vez que todas as lojas estavam fechadas. Pimba: criou o Livreiro em Domicílio, um serviço de curadoria e venda de livros. E no retorno, com a reabertura das lojas o serviço não só continuou, como criou um Clube de Assinatura, onde por R$70,00, o participante recebe todo mês um livro, uma gravura, uma quarta capa especial e uma playlist – olha só! – para embalar a leitura.
Assinatura também foi um caminho trilhado pela Livraria Cultura, com um valor menor, R$14,90 mensais e muita criatividade. O cliente escolhe e leve qualquer livro, um por mês, sem pagar mais nada além da mensalidade. Se devolver a obra em 30 dias, pode seguir pegando outra. Caso não retorne o livro, o membro paga pelo item com 20% de desconto. Mas a gigante dos livros ainda patina em sua recuperação judicial, mesmo depois de fechar 14 das 17 lojas existentes e desligar 90% dos seus colaboradores.
O cenário é bem diferente para a Amazon que sempre foi virtual e aproveitou a pandemia para ocupar espaços. A loja, que começou como livraria e hoje vende de tudo no mundo todo, ainda tem seu próprio gadget de leitura, o Kindle, o que incentiva mais ainda a aquisição de livros, também no formato digital. O risco aqui é um monopólio que pode desestruturar a relação com as editoras. Precisamos ficar atentos.
Muitas visões de um mesmo cenário, não? Cada empresa se encontrava numa determinada situação financeira e operacional, mas estas são apenas algumas das variáveis de gestão. O resultado vem da atitude, de como você reage e não simplesmente do que lhe é apresentado pelo mercado.
(*) Fundador dos Empreendedores Compulsivos, é também executivo, autor, professor, palestrante e mentor. Possui mais de 30 anos de experiência atuando com grandes empresas e startups brasileiras, tornando-se referência no universo do empreendedorismo no Brasil. Formado em Administração pela UVV-ES, com MBA em Marketing pela ESPM e mestrado em Comunicação e Mercados pela Cásper Líbero, especializou-se em Empreendedorismo pela Babson College e em Inovação por Berkeley. Atualmente é Superintendente Executivo do ESPRO, instituição sem fins lucrativos que há 40 anos oferece aos jovens brasileiros a formação para inserção no Mundo do Trabalho.