Renato Martinelli (*)
Já conhecemos líderes autoritários e não é de hoje. Montado em seu poder – seja natural, conquistado ou imposto – esse tipo de líder deseja perpetuar seu poder e seus mandos, fazendo com que todos ao seu redor realizem suas vontades, reforçando para si sua posição superior perante os demais.
Na cultura dos antigos, famílias tradicionais e conservadoras (e muitas vezes ignorantes) usavam a violência física como instrumento de educação e criação de crianças. Na escola, professores mais agressivos usavam (ou usam) a violência psicológica para “educar” seus alunos. Quantas histórias você já ouviu sobre castigos, quem tem que ajoelhar no milho, que apanhou de cinto para “aprender uma lição”, que tomou uma reguada na mão… E infelizmente, esta ainda é uma realidade em muitas comunidades.
Em governos, no Brasil e no exterior, a história se repete com outros contornos. Autoridades querem impor seu poder para conquistarem seus objetivos, mesmo que para isso tenham que usar de fake news, artifícios escondidos em processos internos, comprar e manipular pessoas, ter recursos em “laranjas” e por aí vai. Na lamentável guerra iniciada pela Rússia contra a Ucrânia, o poder bélico combinado com irracionalidade, medo, ego e outros diversos interesses, mostra o estopim de um líder autoritário que coloca em risco de morte milhares de pessoas.
Somente o caso de liderança de Vladimir Putin, presidente da Rússia desde 1999 no poder – e com chances de permanecer até 2036 – daria um artigo à parte. E inspirado em seu estilo de liderança que escrevo este artigo. Para compreender um pouco mais sobre o atual presidente russo, ex-espião da KGB, sugiro assistir o documentário “As Testemunhas de Putin” ou ver a reportagem exibida no Fantástico no começo de Março (ou de outras emissoras de TV).
Nas organizações, o líder tóxico e autoritário também está presente. Considerando um estudo da Consultoria BambooHR, que mesmo pesquisando empresas de diferentes mercados, conseguiu identificar que 44% dos entrevistados alegam ter pedido demissão por causa das atitudes de um chefe tóxico e autoritário, precisamos falar sobre esse tipo de liderança no atual contexto social.
Talvez seja minha experiência profissional direta, com os gestores que tive, pode ser também pelos muitos projetos de desenvolvimento que realizo, mas posso afirmar que conheci uma centena de milhares de líderes, de todos os tipos. Quero crer que a liderança autoritária perdeu espaço, mas está lá, ainda respira e transita pelos corredores, ameaça as decisões, amedronta a equipe no dia a dia.
Na cultura do comando e controle que está instalada e é vivenciada no dia a dia da gestão autoritária, testemunhamos a regra clássica: manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Como reconhecer chefes tóxicos e autoritários?
Existem algumas características em comum, que compartilho abaixo:
- São determinados e têm foco nos seus objetivos a serem atingidos
- São vaidosos e egóicos, pensam em si e não nos outros
- Querem ter controle de tudo, centralizando decisões e supervisionando cada detalhe para que tudo seja feito de acordo com suas preferências e vontades
- Preferem tomar suas decisões de forma rápida e mais individual, sem dar autonomia para a equipe
- Usam o poder do cargo para coagir, manipular e dissimular pessoas a favor de seus interesses
- Pensam que um trabalho muito bem feito não é mais do que a obrigação, não valorizam esforço e não reconhecem desempenho
- São exigentes, questionadores e fazem muitas críticas
- Consideram que os problemas que levam a equipe a não entregar as metas é fruto da incompetência de seus liderados, sem qualquer problema com sua liderança
Após essa descrição, além do Putin, consegue lembrar de mais alguém? Um chefe com quem você trabalha ou trabalhou?
Como esses chefes autoritários gostariam que a equipe fosse?
- Altamente comprometida em cada detalhe, fazendo nada menos do que o excelente
- Totalmente alinhada com as metas e as expectativas de entrega da liderança
- Obediente, sem questionamento às ordens ou conflito sobre qualquer tipo de tarefa
- Responsável, devem simplesmente fazer o trabalho sem reclamar e ponto
- Respeitosa, aceitando qualquer tipo de ordem (e de crítica) da liderança superior
Não sei de você, mas para mim já bate uma angústia só de reler esses comportamentos que escrevi e pensar que muitas e muitas pessoas se sujeitam a ter chefes como esse perfil para ter alguma renda e poder pagar as contas. Conhece pessoas que passam ou passaram por isso, se comportando da maneira como o chefe quer?
Como sobreviver a líderes autoritários (sem ter esse comportamento subserviente)?
Querer disputar poder com um chefe autoritário é pedir para entrar em guerra e em rota de colisão. Por mais que as posturas que mencionei acima possam se traduzir em paz no trabalho para evitar discussões com o chefe, penso que podemos identificar alguns caminhos onde essa relação líder-liderado consiga ter mais tempo de vida – e de paz.
1) Invista no diálogo para estreitar a relação líder-liderado
2) Entenda como e quando questionar as ordens mostrando com fatos e dados sobre como aquela decisão pode afetar a imagem da sua liderança
3) Deixe o líder pensar que está no comando
4) Faça o que o líder pede, mas também faça o que você acredita ser correto
5) Tenha paciência e resiliência, mas entenda os limites da sua segurança psicológica
6) Não dependa de elogios para sentir-se motivado no trabalho
Você não precisa ser o puxa-saco do chefe, rir das suas piadas sem graça ou ficar quieto quando alguém é assediado moralmente. Para cada caso, há posturas mais indicadas como evitar relações e comentários falsos, permanecer calado quando a piada é péssima, ofensiva, homofóbica e desrespeitosa, além de acionar o canal de Ouvidoria para casos de assédio moral. Meu real desejo é que você se veja livre desse tipo de liderança, que é tóxica e muito prejudicial, mas se esta não for uma opinião no momento, espero que o artigo tenha ajudado você a sobreviver nesta guerra empresarial.
(*) É membro dos Empreendedores Compulsivos, Trainer de Comunicação, Propósito e Performance, e tem como foco ajudar pessoas a desenvolverem competências de comunicação para potencializar engajamento e resultados com equipes e clientes. Possui mais de 20 anos de carreira, agrega experiências e conhecimentos em empresas nos setores de Agronegócio, Automobilístico, Alimentos e Bebidas, Comércio, Construção, Farmacêutico e Químico, Financeiro e Seguros, Papel e Celulose, TI e Telecom, Varejo. É especialista em temas relacionados à Comunicação, Liderança, Gestão de Equipes de Alto Desempenho e Gestão de Conflitos, Vendas, Negociação e Articulação de Soluções.