Alessandro Saade (*)
A culpa da quebra das Americanas é do Sílvio Santos. Ou do Baú da felicidade. Ou do Mappin. Ou da Mesbla. Ou das Casas Bahia.
De olho nos recentes acontecimentos no mercado dos grandes varejistas, como das Lojas Americanas, respingando no Magazine Luiza e demais grandes redes, decidi recuperar um artigo que escrevi em 2008, refletindo sobre empreendedorismo, varejo, modelo de negócios, riscos e cicatrizes. Algumas fatais.
Nele, refletia sobre a ascensão e queda da empresa e do modelo de negócio do Baú da Felicidade, grande fonte de receita do Grupo Silvio Santos.
O que começou como uma grande ideia, perdeu sua função após a estabilidade econômica do Brasil.
Criado na década de 60 para dar acesso aos bens de consumo à população de baixa renda, o Carnê do Baú já não fazia mais sentido.
No início, a elevada inflação e a pouca oferta de bens de consumo faziam do carnê uma das poucas, ou a única, forma de acesso a esses bens para as classes C e D. O carisma de Silvio Santos, seu garoto-propaganda, e uma enorme capilarização na oferta, fez com que crescesse rapidamente e acabasse misturando causa e consequência. O carnê fazia a TV do Sílvio crescer e a TV do Sílvio Santos aumentava as vendas do Carnê do Baú. Credibilidade, aspiração de posse e prestação de contas dominicais, fizeram do produto uma mina de ouro.
Além da TV, verdadeiras blitzes aconteciam pelos bairros, onde estacionavam as kombis do Baú e de dentro delas saia um exército de vendedores, abordando cada residência, com o produto que vendia sonhos a longo prazo. Pagava-se a prestação e todo domingo sonhava-se com o sorteio, que daria direito ao usufruto do bem. Semanas, meses, anos se passaram com o mesmo frisson e expectativas todos os domingos. E no final do carnê ainda podiam resgatar parte do valor pago em produtos! Era um título de capitalização.
Bem, o tempo passou, a moeda estabilizou, novas marcas e produtos apareceram e o dinheiro ficou mais barato e acessível. A somatória desses e de outros fatores começaram a ruir a base de sustentação do modelo de negócio do grupo Silvio Santos.
Nesse mesmo período, a habilidade de negociar com seus fornecedores, a agressividade na abertura de novas lojas e a continuidade massificada de anúncios fez com que as Casas Bahia ocupassem o mesmo espaço do baú, só que entregando o bem junto com a primeira parcela. Se por um lado elimina o prazer da expectativa e da torcida, por outro permite-se o usufruto imediato do bem tão desejado.
E as Casas Bahia ainda incorporaram outras tendências mercadológicas ao modelo. Patrocínio de eventos para diversas idades e perfis de públicos, além do desenvolvimento de ambientes temáticos como a Super Casas Bahia, que permitia o acesso às tendências e a experiência de consumo completa, incentivaram mais o consumo imediato.
Fato irreversível para o carnê é que essa nova geração é a geração da experimentação, da vivência e do test drive. Querem experimentar, tocar, ouvir, ligar, mexer, montar…. Tudo isso antes mesmo de comprar.
Chegando aos dias de hoje, as Lojas Americanas sucumbiram ao excesso de canais, marcas e formatos. Lojas físicas, duas marcas e operações separadas e redundantes no comércio online, pressão descomunal sobre seus fornecedores e alavancagem de crédito para os clientes, entre outros fatores, levaram ao resultado negativo abismal da rede.
É importante que seu modelo de negócio permita relações de longo prazo, onde todos sintam-se beneficiados pela parceria, sem coação ou pressões desiguais nas relações. Só dura, quando todos ganham ao longo do processo, da relação.
A instabilidade do segmento derrubou muitas outras. Entre o Baú e as Americanas, também sucumbiram Mappin, Mesbla e outras gigantes do varejo. Elevada oferta de crédito para o consumidor garante o acesso, mas também fomenta o consumo descontrolado, gerando inadimplência e aumentando o risco das empresas.
O mercado dança ao sabor da economia global e local, além de receber forte influência dos fabricantes de produtos, principalmente os de tecnologia.
Se essas mudanças impactam gigantes do varejo, imagine o que pode acontecer com você, que cuida de um negócio de menor porte?
Jogar este jogo vai lhe obrigar a ter uma gestão impecável e um maior apetite ao risco. Também será necessário se aproximar de bancos, operadoras de cartão de crédito e meios de pagamento. Também será necessário sempre, permitir que o consumidor possa interagir, experimentar os produtos e serviços em sua loja física ou virtual.. Se ele não comprar da primeira vez, pelo menos se sentirá à vontade para voltar outras vezes. E aí….
Bem, aí é com vocês. E eu aposto no seu sucesso!
(*) É Fundador dos Empreendedores Compulsivos, é também executivo, autor, professor, palestrante e mentor. Possui mais de 30 anos de experiência atuando com grandes empresas e startups brasileiras, tornando-se referência no universo do empreendedorismo no Brasil. Formado em Administração pela UVV-ES, com MBA em Marketing pela ESPM e mestrado em Comunicação e Mercados pela Cásper Líbero, especializou-se em Empreendedorismo pela Babson College e em Inovação por Berkeley. Atualmente é Superintendente Executivo do ESPRO, instituição sem fins lucrativos que há 40 anos oferece aos jovens brasileiros a formação para inserção no Mundo do Trabalho.