Jefferson Kiyohara (*)
Dilema ético é aquela situação em que é preciso escolher entre duas opções e, ao escolher uma delas, você obrigatoriamente abre mão da outra.
E ambas as opções são eticamente defensáveis. Seria o caso na dicotomia: saúde ou economia? Por exemplo, abrir ou fechar escolas durante a pandemia da Covid-19? Aqueles que defendem a abertura argumentam sobre a importância da educação, desenvolvimento, socialização e saúde mental de crianças e adolescentes, além da cobertura para os pais poderem trabalhar. Para o fechamento, o argumento é de proteção de vidas e redução de contágio.
Dependendo do momento numa pandemia, uma das posições ganha mais força, mas ambas são justas e positivas. Agora, e no caso entre saúde ou economia? Esse embate não deveria existir e não é um dilema ético porque, na prática, um depende do outro, então não é uma escolha. Ambos são importantes e, por isso, o povo brasileiro deveria se unir para defender a saúde e a economia e cobrar o mesmo dos políticos.
Além de bandeiras políticas, temos que exigir uma coordenação nacional e uma convergência de interesses nessa guerra contra o verdadeiro inimigo, o vírus. Porém, o crescimento do número de mortes, as falências e o desemprego são evidência de que estamos falhando como nação, o que é um problema de todos.
A pandemia, além de ser uma preocupação por si só, colocou em evidência questões históricas existentes e as colocaram num novo patamar: educação deficiente; desigualdade social; escolas, transportes públicos e saneamento básico com insuficiência de recursos; dificuldade de crédito para o microempreendedor; desvio de verba pública e corrupção; mercado de trabalho informal, além da prática perigosa de automedicação, entre outros problemas.
Diante deste cenário, como pedir pelo distanciamento social com vagões lotados ou pela escola aberta sem sabonete para lavar as mãos? É preciso redes de apoio e soluções completas, como máscaras seguras para os usuários de transportes públicos, assim como material de higiene e limpeza para as escolas. Isso é pensar de forma coletiva e ética.
Promover o “fique em casa” quando, segundo a consultoria IDados, 86% dos brasileiros não conseguem trabalhar remotamente, só é uma ideia viável se houvesse uma rede de assistência, com auxílio financeiro, crédito, doações e isenções que permitissem uma subsistência mínima para aqueles que, de fato, precisam. Assim como práticas coesas para minimizar o período necessário.
O modelo equivocado adotado no Brasil de “pseudo” quarentena somado às soluções incompletas permitiu o surgimento da variante da Covid-19 que acarretou mais mortes, assim como desempregos e falências, além da alta do dólar, inflação e redução de credibilidade perante à comunidade internacional. Pioramos na saúde e na economia. Não é eticamente defensável qualquer ato que vá contra à saúde pública ou cause danos à economia.
Se sua ação ou inação diminui os esforços empreendidos pelos profissionais de saúde e apoio, o sofrimento daqueles que perderam entes queridos, aqueles que perderam seus empregos, a falência de empresas ou os que passam fome, automaticamente ela está errada ou incompleta. As soluções não são simples, exigem recursos e boa gestão. Cada um deve agir, fazendo sua parte, neste momento que claramente exige sacrifícios, coerência, solidariedade e união.
Pense nos sacrifícios que poderiam ser feitos, ou seja, o que você poderia abrir mão, mesmo que temporariamente, para ajudar aqueles que precisam. Por exemplo, quantos políticos cederam seus salários ou benefícios em prol da população? E quantos se aproveitaram do momento para aumentar ainda mais os próprios privilégios? O poder público deve exigir sacrifícios e, ao mesmo tempo, contribuir com sua parte, reduzindo gastos e buscando eficiência. Deve priorizar as ações que apoiem a saúde e a economia.
Agora, mais que nunca, é fundamental coerência na aplicação do dinheiro obtido com os impostos e na decisão de quem receberá apoio, anistia, parcelamento da dívida. O mesmo vale para empréstimos em condições diferenciadas. Estão sendo direcionados e priorizados para os que precisam, como o microempreendedor, o desempregado, o trabalhador informal e os setores mais afetados como o lazer, a cultura e o turismo? E os órfãos, crianças que perderam seus pais para a Covid-19?
O que deveria ser prioritário, infelizmente, não está sendo e, por isso, as injustiças estão cada vez mais presentes. Tal situação é triste e não é eticamente justificável, acarretando num risco de convulsão social somado ao problema de pandemia. Precisamos de ações e um caminho é pensar também em doações, campanhas de arrecadação coletiva e trabalho voluntário.
Há lindas histórias de doações de máscaras, alimentos e materiais de higiene e limpeza, de forças tarefas para levar oxigênio aos hospitais, de suporte para aqueles trabalhando ou lutando para sobreviver, entre outros. Não espere que o governo ou as empresas, sozinhos, consigam solucionar a pandemia e suas consequências. Todos podem e devem contribuir, exercendo a cidadania, pois a diferença acontece em várias pequenas ações. Seja ético e faça a diferença!
(*) – Professor da FIA, é diretor de Compliance & Sustentabilidade na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação e proteção e privacidade de dados.