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Plana ou redonda?

em Opinião
quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Heródoto Barbeiro (*)

O agricultor José talvez nunca tivesse deixado a sua aldeia. A maior distância percorrida em sua juventude era a estrada que liga o povoado de Pocariça a sede de Leiria, em Portugal.

Sua mobilidade equivalia a mesma de seus ancestrais na idade média, quando a península foi invadida pelos mouros provenientes do norte da África e por causas não registradas ganhou uma pele escura, não muito comum por lá. O mundo, em pleno século 19, se resumia nas plantações de oliveira e videira e uma ou outra cultura de subsistência, e nem pensar em conhecer outras terras ou mesmo atravessar o mar oceano. José ganhou o sobrenome dos que se dedicavam à sangria, extração de dentes, verrugas, ou seja Barbeiro.

Movimento mais agudo, em Portugal era associado a insegurança de nobres que disputavam as quintas, ou as perseguições políticas e religiosas que as dinastias lusas incitaram ao longo dos séculos. Por essas e outras andanças adotou mais um nome, Souza, de origem cristão novo. O mundo se resumia em pouca informação, nenhuma leitura, desconhecimento do que se passava nos continentes, e trabalhar de sol a sol, como um escravo, para garantir o que comer à noite, quando se recolhia em uma modesta construção.

As potências industriais e bélicas se preparavam para disputar os mercados produtores de matérias primas baratas, ou sem valor agregado como se diz hoje, e exportar os manufaturados com valor. Investiam os capitais públicos e estatais na produção, comércio e domínio de rotas marítimas com acesso às matérias primas estratégicas, como o petróleo, cobre, salitre e outras. O século 19 foi o período do auge do imperialismo industrial.

As economias centrais, Europa, depois Estados Unidos e Japão, impuseram uma divisão mundial de trabalho que remunerava os acionistas da City, Wall Street e outras bolsas emergentes do novo capitalismo. Os alvos principais localizavam-se no Oriente Médio petrolífero, partes do continente africano de matérias primas estratégicas, Ásia super povoada e portanto um mercado altamente lucrativo para os manufaturados.

Enquanto uma parte da humanidade se espraiava pelos continentes, a bordo de navios e trens á vapor, a outra parte circulava em volta da pequena aldeia, onde tinha nascido. O imperialismo, as guerras, as alianças, as armas de destruição em massa, como a metralhadora, as bombas e o gás de mostarda não foram capazes de sustentar uma paz armada. O adágio chauvinista se espraiava: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra.” O resultado foi uma passagem catastrófica do século 19 para o 20. Mortes, destruição, fome, desesperança e o anseio de se procurar um outro lugar para viver.

O Brasil era um deles. Estava fora da rota do choque imperialista, vivia da monocultura do café, tinha muita terra devoluta e uma oligarquia que dominava o campo.Uma força gravitacional para quem não tinha o que comer. Tudo isso fez com que homens e mulheres que não sabiam se o mundo era redondo ou plano, como na idade média, buscassem uma saída pelo mar. José veio para o Brasil, seu irmão foi para Macau, na costa da China.

As correntes imigratórias se formaram na Europa em busca do alívio para seus sofrimentos. Da Espanha emigrou Pedro Garcia. Da Itália, especialmente do Vêneto, saíram as famílias de Amábile Valvassori e Angélica Cassonatti. Deixaram o mundo medieval, pré capitalista, miserável para se aventurar em outras terras e constituíram minha família.

(*) – É âncora e apresentador do Jornal da Record News e editor do blog no R7 ([email protected]m)