Rogério Borili (*)
O carro 100% autônomo vem sendo testado em diversos lugares do mundo, mas além da discussão sobre segurança de dados e pessoas, há muitos outros fatores a serem considerados.
O processo de eletrificação dos automóveis tem sido prioridade, principalmente pela questão ambiental – tão discutida recentemente. Porém, a fabricação do carro elétrico gera mudanças significativas no mercado, o que nos leva a criação dos carros híbridos com um meio de transição, pois além dos gastos, há toda uma mudança na cadeia industrial que requer tempo para estruturação até chegar à fabricação em larga escala. O modelo híbrido oferece o tempo necessário para que todas essas questões se desenvolvam com a naturalidade que o mercado precisa.
O segundo ponto é a fase de adequação da cadeia de fornecedores, visto que para a produção do carro elétrico e autônomo são necessárias matérias-primas diferentes, o que influencia diretamente na balança comercial do país, já que alguns produtos deixarão de ser importados para serem substituídos por outros, importados ou não.
Diante disso, haverá uma transformação radical no aspecto tributário, uma vez que a modificação das matérias-primas causa a mudança na tributação do produto final.
Por exemplo: no automóvel tradicional, o preço do aço gera uma forte influência nos tributos, mas para o carro elétrico possivelmente o níquel será o elemento de maior influência devido ao uso das baterias. As montadoras deverão avaliar criteriosamente os benefícios fiscais de cada produto envolvido a fim de gerar maior lucratividade neste sistema de produção e usar a tecnologia para não perder tempo e evitar erros nesta análise, o que poderia gerar custos exorbitantes e desnecessários.
Outro ponto, não menos importante, é o conflito de interesses com a indústria do petróleo que perderá força com a propagação do carro elétrico. Além disso, a inserção do carro autônomo no mercado impacta diretamente no tipo de profissionais e fornecedores, como a maior necessidade de engenheiros elétricos do que mecânicos, mais profissionais de tecnologia envolvidos e assim por diante. Outros tipos de recursos como luzes de sensores nas vias e apps também serão necessários, de forma que, como toda grande mudança tecnológica, novas necessidades serão criadas, assim como novas empresas e serviços.
Há ainda a questão de abastecimento. Postos de combustível estão ao alcance em qualquer lugar, mas não há tomadas de energia na mesma proporção para carregar o carro elétrico. Embora seja possível utilizar tomadas comuns para isso, seriam necessárias, em média, 12 horas de conexão para que o automóvel esteja apto para uso. No geral, principalmente no Brasil, a infraestrutura está totalmente aquém das necessidades e, ainda que a indústria esteja em transformação, muitas adaptações devem ocorrer para dar condições de desenvolvimento e uso do carro autônomo em volume de mercado.
Voltando à discussão ecológica, há também um paradoxo: enquanto o automóvel tradicional emite uma grande quantidade de gás carbônico prejudicando o meio ambiente, o carro elétrico gasta mais CO2 para sua construção, além do problema de reciclagem de baterias, algo que precisará ser reavaliado pela indústria. Especificamente no Brasil, além de todos os pontos levantados, há a questão de evolução tecnológica e econômica. Embora o país tenha importantes polos tecnológicos e muito potencial para desenvolvimento, ainda recebemos novidades importadas nesse quesito.
Soma-se a isso a falta de infraestrutura e inadequação da cadeia de produção e corre-se o risco de o Brasil ter sempre os modelos que caem em desuso nos países mais desenvolvidos, se tornando o “lixão” da indústria automobilística. Dentro deste contexto, vale a pergunta: quantos brasileiros teriam condições financeiras de adquirir um carro elétrico e autônomo hoje em dia?
Diante de tudo isso, é possível concluir que o carro 100% elétrico e autônomo só será possível, especialmente no Brasil, quando a economia estiver estável o suficiente para receber os investimentos necessários, tanto financeiros quanto em novas tecnologias, cadeia de produção e mão de obra especializada e de custo acessível.
Somente assim haverá produção em larga escala e aceitabilidade da população, com infraestrutura adequada, níveis de segurança necessários e preços mais justos.
(*) – Engenheiro da Computação, é vice-presidente de tecnologia da Becomex (www.becomex.com.br).