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Onde estão os nossos heróis

em Opinião
segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Gaudêncio Torquato (*)

O Brasil está à procura de um herói. Mas o herói procurado não é aquele capaz de operar milagres, um São Jorge de espadas, disposto a matar os dragões da maldade.

Quem vestiu esse manto, em tempos idos, acabou sendo eleito presidente da República, mas foi tragado pelo tufão social, que puxou seu impeachment, a partir de uma maré de denúncias e escândalos trombeteados pela mídia.
 
De lá para cá, a sociedade tomou um banho ético. Vacinou-se. E passou a desconfiar de perfis milagreiros. Por isso, o herói que o povo procura precisa ter face humana. Uma face plasmada pelos valores da honestidade, ética, autoridade, respeito, coragem, despojamento, simplicidade.
 
Há alguém com esse perfil? Quem se arrisca a apontar algum? A nossa galeria de heróis é uma parede vazia. O atual dirigente do país já não ganha os aplausos das massas como no passado. Os pastores nas igrejas não conseguem empolgar multidões. Os fiéis estão atentos aos golpes demagógicos. No futebol, as decepções se acumulam. A seleção de futebol já não encanta. Neymar perdeu o brilho. Mas continua no trajeto do dinheiro. Os esportes estão marquetizados. As disputas são movidas pela força do metal.  E o glamour se esvai dos palcos e estádios, sufocando nossas emoções. As seleções femininas são, agora, o toque de novidade.
 
Aqueles que merecem aplausos unânimes estão enterrados no cantinho da saudade. Ayrton Senna foi um dos nossos heróis. Pelé nos deu adeus. A lembrança aponta alguns. Tancredo nem teve tempo de dar fulgor à imagem. Recebeu o pranto nacional, foi uma perda para nossas esperanças. Juscelino Kubitschek levantou nossa bandeira de progresso. Quem mais? Vultos de nossa história mais antiga. A geração de passagem não exibe estrelas brilhantes que mereçam destaque na constelação.
 
Arraes, Brizola, Covas, Itamar, Sarney, Fernando Henrique, cada um carrega alguns traços, mas foram nivelados pela mesmice.  Posicionamentos mais fortes acabaram ofuscados pelo processo de canibalização recíproca dos perfis.
 
O desfile nas telas de TV é uma ampla exibição da dissonância nacional. Quem chama a atenção hoje? Um figurante polêmico. Uma estrela passageira, de nome Pablo Marçal. Que terá vida curta. Aos nossos olhos, desfila como figura esquisita e de discurso extravagante. A demagogia campeia com promessas mirabolantes, na recitação artificial de qualidades inventadas, na exposição de cenários e propostas irreais. Construir um prédio de 1 km como anzol turístico é o cúmulo da aberração. A política passou a colocar na vala comum pessoas de boa e má fé, algumas bem intencionadas, outras, interesseiras e oportunistas.
 
Siglas de pouca expressão, de repente, se tornaram grandes, enormes partidos, porém são desfigurados de doutrina. A política no Brasil está se transformando em um grande comércio, onde atores procuram se revezar no balcão das trocas. Quantos cidadãos, entre os milhares de candidatos a vereador e a prefeito no pleito deste ano, possuem verdadeira vocação para servir a coletividade? Quantos são movidos pelo civismo? Será que os prefeitos que estão se recandidatando ficaram mais pobres ou mais ricos?
 
Surgirão novos líderes da atual fornada? Temos motivos para acreditar na melhoria dos padrões da política? A sociedade está mais racional e crítica. Acompanha o desfile de candidatos. Nos recantos mais distantes, a vacina ética está chegando. Malas de dinheiro, sabe-se, ainda compram voto. Mas não têm a mesma força de antigamente. Há eleitores que recebem dinheiro de certos candidatos, mas acabam votando noutro. O voto de consciência se expande na esteira de um movimento concêntrico, que faz marolas por todas as partes.
 
Se não encontrou, ainda, o eleitor tem poucas semanas para achar o seu herói. Não precisa distinguir nele a aura dos santos. Basta olhar os perfis, avaliar seu passado, examinar suas propostas, compará-los entre si e escolher aquele que mais se afina ao ideal pelo qual luta. Deve ter cuidado para não comprar gato por lebre. Há muito lobo querendo se passar por cordeiro. Há muito canalha vendendo terreno no céu.

(*) Escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político