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Maldito Café

em Opinião
quinta-feira, 18 de maio de 2017

Heródoto Barbeiro (*)

O café foi cruel  com o Rio de Janeiro. Bem que o  governo tentou drenar as exportações de café pelo porto com a construção de uma estrada de ferro. Onde o café ia, o trem ia atrás.

Quando a rubiácea se espalhou pelas encostas do interior fluminense e depois pelo vale do Paraíba, o Rio de Janeiro recebia a carga de café para ser exportada. Com isso os comerciantes, a bolsa, o fluxo de navios movimentavam a economia da cidade. Quis o café buscar terras mais férteis no chamado oeste de São Paulo. Com isso as sacas, em lombo de burro, seguiam para Santos e não mais para o Rio de Janeiro. O fato decisivo foi construção da São Paulo Railway, ou Santos Jundiaí, e o produto foi parar no litoral paulista.

Foi o primeiro impacto na economia do Rio. Mas afinal ele era a capital do império, em um Estado centralista, que dependia das decisões que se tomavam na sede do império. Todo o poder estava lá concentrado desde os tempos coloniais. A beleza da natureza, a baia da Guanabara, o centro cultural e político iniciaram a montagem da cidade maravilhosa.

Tudo acontecia no Rio de Janeiro. Desde o baile da Ilha Fiscal, o último do império, até o desfile do marechal Deodoro e outros monarquistas que derrubaram o império… Tudo continuou como antes. A sede da presidência da república, o Congresso Nacional, os partidos políticos, a Academia Brasileira de Letras, as embaixadas, o Cristo Redentor, a rádio, o teatro de revista, enfim, o coração político e cultural do Brasil ganhava um pulsar mais pujante.

Com o advento do Estado Novo e a ditadura do Vargas, o unitarismo chegou ao seu auge e o Brasil consolidava uma macro cefalia. Tudo estava centralizado na capital da república. Vieram os cassinos, os filmes de Hollywood, Carmem Miranda, as chanchadas, Oscarito e Grande Otelo e a Rádio Nacional. Copacabana a princesinha do mar. Jovens de todos os recantos sonhavam em morar e brilhar a beira mar. As crises também tinham sede do Rio, do canhoneiro à casa de Deodoro pela marinha até a tentativa de impedir a posse do presidente bossa nova, Juscelino Kubistchek, que amava a cidade e sua boemia.

O sonho de José Bonifácio se tornou um pesadelo concretizado por Juscelino. Em 1960 a capital foi transferida para Brasília, a capital da esperança. Com isso o Rio perdeu a vantagem das verbas federais que suplementavam o orçamento da cidade. Milhares de funcionários foram transferidos, outros tantos aposentados morreram, a violência chegou a níveis insuportáveis e muitas empresas foram atraídas pela força gravitacional econômica e financeira de São Paulo.

A transferência administrativa quebrou o Brasil, a inflação veio para ficar até o Plano Real. Parte das estruturas do Estado ainda estão divididas entre duas cidades, custosas e ineficientes. Petrobras, Casa da Moeda, Comissão de Valores Imobiliários, BNDES, IBGE, Arquivo e Museu Nacional, Instituto Nacional do Câncer e outros órgãos tem sede no Rio. Por que não o Supremo Tribunal Federal?

O fato é que o Rio de Janeiro não parou de decair. O noticiário diário sobre violência acelera a fuga de pessoas e atividades econômicas. Tudo começou com o café.

(*) É âncora do Jornal da Record News, do blog no R7 e autor de Budismo, Ed. Bellaletra.