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Liderança e solidão – O drama do pódio

em Opinião
terça-feira, 23 de agosto de 2016

Ricardo Cipullo (*)

Era uma vez um empresário, ou era um executivo? Tanto faz. Nosso príncipe era responsável por uma empresa. Estava no topo da pirâmide!
Tinha trabalhado muito para chegar lá.

Essa história começa muitos anos antes, quando um menino resolveu dedicar sua vida ao crescimento profissional e anos depois de muito trabalho, montou sua própria empresa, assumiu a empresa da família ou chegou à presidência de uma organização como profissional contratado. Qualquer dos caminhos demanda uma enorme dose de trabalho, muitas horas por dia, pouco descanso. Nada de fim de semana ou de férias. Trabalho, trabalho, e mais trabalho.

Num país como o nosso, essa parece uma história do “pobre menino rico”. Onde tanta gente ainda luta pela sobrevivência, que sofrimento pode ter quem vive no topo das organizações? A resposta está nas alternativas que a vida apresentou aos nossos heróis. Décadas atrás, quando eles começaram, a vida foi mostrando alternativas, os herdeiros podiam ficar fora da empresa e colher os dividendos, escolhendo uma vida mais tranquila. Os empreendedores e executivos, podiam ter seguido num emprego mais leve, trabalhando honestamente, mas saindo no horário, indo para a praia com a família todo fim de semana, mais cinema e menos aulas.

Alguma coisa nesses meninos os impeliu para uma carreira. Liderança, capacidade de trabalho, dedicação. Young, entre outros, tem lá suas explicações para o “o que” os levou a isso, já o “como chegaram lá” tem uma resposta mais simples: Esforço, basicamente esforço. Finalmente, lá estão eles, bem vestidos, respeitados, usando lindos cavalos brancos importados e… sozinhos. Absurdamente sozinhos!

Havia a esperança de que as moças nos ajudassem. Com elas no topo, tudo poderia mudar. Mais inteligentes antropologicamente, pois tiveram que compensar a menor força física durante a evolução da espécie, as meninas deviam trazer um alento, reescrever essa história, talvez trazendo mais parcerias, menos solidão, mais compartilhamento, menos isolamento da liderança. Até aqui isso não ocorreu. Ainda brindamos às grandes líderes por sua dureza, à là Tacher, as damas de ferro.

Notem que “líder” é um substantivo uniforme, não há distinção entre feminino e masculino, a menos do artigo “a” ou “o”. É a morfologia a serviço da semântica. Enfim, líderes (nem o, nem a), têm dúzias de liderados, dezenas de colegas, entre fornecedores, clientes e competidores, alguns sócios e uns poucos amigos. Têm respostas para quase tudo, como uma metralhadora giratória, tomam decisões precisas sobre grandes negócios. Em um certo ponto da vida, já decidiram tanto que o processo se automatiza.

Sem demérito para eles, muitas dessas decisões nunca serão julgadas. Não há conceitos claros de certo e errado para muitas das decisões estratégicas. As alternativas não escolhidas não podem ser testadas e comparadas às decisões tomadas. Mais ainda, como no futebol, o passe muito longo faz os jogadores correrem mais, mais stress, e eventualmente levam a lindos gols… mais tarde, quem conta a história trata como “coisa de gênio”. Enfim, as decisões do dia a dia podem ser claramente certas ou erradas, as difíceis nem sempre têm esta clareza.

Mas líderes sabem disso. Nas suas reflexões consideraram tudo isso profundamente, não sem sofrimento. Passe longo ou curto, lá vão eles correndo sempre mais do que os outros, com mais stress, mais suor. Isso passa a ser um jeito de viver, sempre mais rápido e às vezes mais curto.

Liderança é um lugar solitário. Há muitas formas de lidar com isso. Uma é desconsiderar essa realidade, a intensidade dos dias ajuda a empurrar os efeitos para frente, para um tempo que por vezes nem chega. Os sobreviventes acabam colidindo com essa solidão ao se retirarem de cena. Outros a percebem mais cedo e se movimentam parar reduzir seus efeitos, buscando compartilhar suas dúvidas com outros líderes que não tenham interesse em seus negócios. Diz a lenda que Henry Ford fazia isso, mantinha um grupo de empresários de áreas não relacionadas com a dele para trocar ideias e conselhos.

A própria evolução da forma de liderança virá em socorro dos nossos heróis. Se lembrarmos do comportamento dos líderes autocratas do passado, jamais nos ocorreria que, em meio a tanta assertividade, eles vivessem “a menor sombra de dúvida”. Interessante a associação de dúvida com sombra. Dúvida está na raiz de toda ideia brilhante. Dúvidas discutidas e enriquecidas com questionamentos devem trazer o melhor da capacidade humana de decidir. Mas, os líderes de antigamente, que têm o mérito da construção do mundo em que vivemos, pareciam isentos desses “problemas”.

Veio a liderança participativa. Bem melhor, mas ainda centrada no modelo de um indivíduo no topo, que passou a ouvir mais. Ainda solitário. A liderança compartilhada deverá resolver isso. Mas demora. Demora uma geração. Será tarde demais para os líderes de agora. Eles podem acelerar a mudança começando a compartilhar, ainda que entre pares, em lugar de junto ao seu time. Já será um enorme avanço. As decisões serão muito melhores. E os meninos trabalhadores viverão mais!

(*) – É engenheiro, pós-graduado em Marketing e Finanças e membro da Renaissance Executive Forums. Atua há mais de 20 anos como CEO e conselheiro empresarial.