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Larguei meu emprego na França, comprei uma Kombi e comecei a fazer Hackathons em todas as regiões do Brasil

em Opinião
sexta-feira, 15 de março de 2024

Mariana Kobayashi (*)

Deixar a França e retornar ao Brasil, comprar uma Kombi 97 e sair pela estrada organizando hackathons são decisões que até hoje chocam quem as ouve saindo da minha boca.

“Você é louca?”, “Não tem medo? Você dirige bem?”, “Tecnologia? Mas você não é engenheira?”. Essas perguntas foram bem frequentes nos últimos anos. Sempre achei curioso como a tomada de risco exercida por nós, mulheres, é subvalorizada. 

É óbvio que havia e sempre vai haver percalços em iniciativas como essa tanto na vida das mulheres, como na vida dos homens. Porém, também deveria ser óbvio que, assim como um empreendedor mostra coragem ao aceitar os riscos de seu empreendimento, uma empreendedora faz exatamente o mesmo. Não é sobre loucura, ou irresponsabilidade, mas sobre propósito e confiança.   

Garantir os direitos das mulheres em todos os aspectos da vida, e alcançar a igualdade de gênero têm se tornado cada vez mais vital – essa é a única forma de garantir uma economia próspera e justa, e um planeta mais saudável para todas as gerações futuras. Este ano, a ONU Mulheres definiu que o tema do Dia Internacional da Mulher é “Investir nas Mulheres: Acelerar o progresso”. 

De acordo com eles, um dos principais desafios para alcançar a igualdade de gênero, até 2030, será a falta alarmante de financiamento, com um déficit anual de 360 mil milhões de dólares em despesas com medidas de igualdade de género. Quando pensamos na realidade das mulheres no mercado de trabalho, sabemos que não é algo fácil. 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a diferença salarial entre homens e mulheres, que vinha em tendência de queda até 2020, voltou a subir no Brasil e atingiu 22% no fim de 2022. Esses números mostram que uma brasileira recebe, em média, 78% do que um homem. O caminho para escapar de uma realidade que já existe há tanto tempo, nem sempre é dos mais simples. 

O primeiro olhar para a desigualdade de gênero e um propósito para reverter a situação
Formada em Engenharia Química pela Escola Politécnica de São Paulo, e Mestre em Energia e Processos de Refino pelo Instituto Francês do Petróleo, comecei a trabalhar no chão de fábrica, como engenheira em uma refinaria, no sul da França. 

Lá, eu era uma das poucas mulheres em um ambiente dominado por homens. Foi um desafio, mas também uma oportunidade de aprender e crescer. Depois, me apaixonei pela programação e pelo machine learning, e descobri que podia usar essas ferramentas para resolver problemas complexos e inovar.

Voltei para o Brasil com vontade de fazer a diferença na minha terra natal e incentivar outras mulheres a construírem carreira no mercado de tecnologia. Queria ainda amplificar o máximo com a tecnologia, podendo assim ajudar a sociedade, as ONGs, as comunidades e as pessoas que mais precisam. 
Rodei com minha Kombi do Rio de Janeiro até cidades como Brasília e São Paulo para realizar hackathons sociais para ajudar projetos sociais e integrar estudantes a uma realidade que eles desconheciam. Tudo por meio da tecnologia e da educação. 

Consegui ainda cumprir meu objetivo de levar esses Hackathons do Bem para todas as regiões do Brasil, unindo estudantes e agentes sociais por meio de maratonas de programação e inovação acessíveis.

O desafio permanece grande, pois são muitas as necessidades a serem atendidas pela tecnologia, e muitas as mulheres que precisam entrar nesse mercado.

Segundo a pesquisa Woman in Technology, realizada em 2021 pela empresa de recrutamento especializado, Michael Page, menos de 20% dos cargos das áreas de tecnologia no Brasil são ocupados por mulheres. São menos de 30% dos cargos de liderança no setor em toda a América Latina. 

É importante sempre lembrar que para uma solução tecnológica ser o mais completa possível, ela precisa ter sido desenvolvida tendo em mente os mais diversos cenários possíveis. É preciso mais igualdade de gênero, mais presença feminina, mais diversidade no momento da avaliação dessas perspectivas e criação dessa solução.

Uma outra forma que encontrei para incentivar essa participação feminina no mundo corporativo tech foi reunindo projetos sociais com mulheres interessadas em seguir a carreira de Project Manager. É uma forma de potencializarmos o trabalho voluntário com o propósito social e o crescimento de carreira, o que cada vez faz mais sentido em um mercado atento à valorização de profissionais comprometidos com políticas de responsabilidade social e ambiental.

O futuro é logo ali: Investir nas mulheres é acelerar o progresso
Anos atrás, quando encontrava algumas mulheres no trabalho, em espaços que a diversidade era baixa e não havia muita diversidade de gênero, me deparava com um receio – um medo de que as poucas mulheres ali não dessem suporte uma à outra, não se ajudassem e não se incentivassem.

Hoje, acredito e sinto que temos nos tornado mais empáticas umas com as outras no mercado de trabalho. Existe uma maior rede de apoio, um sentimento de empatia e companheirismo entre as mulheres de diversas áreas, seja na indústria ou na tecnologia. 

E esse sentimento tem tudo para crescer e ser a força motriz para lidar com as inovações tecnológicas, justamente as que mais precisam de análise crítica e sensibilidade humana. 

Acredito que a diversidade é a chave para o progresso e a criatividade. Quando temos times com diferentes gêneros, culturas, vivências e perspectivas, podemos pensar em soluções mais ricas, mais humanas e mais eficientes.

(*) Digital Innovation Officer em uma multinacional e co-fundadora da Tech do Bem, startup que busca conectar pessoas, empresas e instituições através da tecnologia.