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Inovação e patentes no Brasil: o risco de darmos um passo para trás

em Opinião
quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Vladimir Fernandes Maciel (*)

O Brasil é um país curioso por produzir suas próprias dificuldades e forjar seus próprios grilhões.

Com vasto território agriculturável, subsolo rico, clima ameno, topografia pouco acidentada e condições propícias à atividade humana, afora as riquezas biológicas e um dos principais biomas do mundo (Amazônia), o país teria todas as condições objetivas para se encontrar em elevado nível de desenvolvimento socioeconômico. Entretanto, nossa nação prima por construir um ambiente institucional que cria dificuldades ao empreendedorismo, à inovação e à inclusão produtiva de sua população.

Particularmente, devemos melhorar o ambiente competitivo, especialmente em torno da inovação, que tem impactos positivos em toda a sociedade. Não só as empresas podem produzir mais e introduzir novos produtos, serviços e processos produtivos, mas também reduzir o espaço para ocorrência de corrupção. Por exemplo, o Índice Internacional de Direitos de Propriedade mostra que há relação estreita (correlação de 0,849) entre a presença de instituições que respeitem o direito de propriedade e o combate à corrupção.

Apesar de todas as dificuldades, há muito esforço sendo feito em diferentes segmentos produtivos. Inovação e ganhos de produtividades são as marcas da expansão do agronegócio, por exemplo, que garantiram a posição de destaque do Brasil no fornecimento mundial de alimentos. A pesquisa científica e o desenvolvimento da biotecnologia, com proeminência da Embrapa, são responsáveis por garantir crescimento da produção muito superior ao da área utilizada pelas atividades do agro.

Estes e outros esforços presentes em outros setores econômicos estão, todavia, ameaçados. Apesar do Brasil ter sido um dos países pioneiros na legislação de patentes (a primeira lei foi promulgada em 1830 e teve vigência até 1882), a atual Lei Federal 9279/96 pode sofrer um revés no que se refere ao prazo de duração da patente – expresso no Artigo 40. Em 2018, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) foi impetrada no STF questionando o referido artigo. O proponente foi a Associação Brasileira de Indústria Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA).

O Art. 40 afirma que a “patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito”. No parágrafo único do artigo consta que o “prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior”.

Este último parágrafo tem sua existência justificada pela reconhecida morosidade de dificuldade do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) analisar o mérito de uma solicitação e conceder uma patente. O prazo médio para concessão de uma patente é de 10 anos no Brasil, podendo chegar em alguns casos a 14 anos.
Desde 2019, o INPI tem passado por um processo de modernização. É o chamado “Projeto de Combate ao Backlog” que visa reduzir, em um período de dois anos, o número de pedidos de patente de invenção com exame requerido e pendentes de decisão.

Esse esforço pode reduzir o tempo médio de concessão para oito anos, porém ainda será muito elevado. Em países da OCDE, como México e Polônia, leva-se três anos; na União Europeia, Austrália, Nova Zelândia, República da Coreia e Japão, demora menos de dois anos. Remover o mínimo de dez anos no Artigo 40 significaria que os detentores de patentes no Brasil teriam alguns dos períodos mais curtos de proteção de patente significativa do mundo. As patentes incentivam a inovação de longo prazo. Atrasos na concessão de patentes ou limitação do prazo da patente impõem enormes custos à sociedade.

A função da patente de uma invenção deve compensar os custos irrecuperáveis da atividade de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) de modo a estimular os investimentos. Propor a inconstitucionalidade do Art. 40 da LF 9279/96 significa que o STF pode, de uma hora para outra, alterar o dispositivo legal e extinguir o artigo sem que tenha ocorrido melhoria no sistema de registro e concessão de patentes.
Não faz sentido eliminar intempestivamente a proteção da patente sem que se reduza o backlog do sistema. Transferirá toda a ineficiência do INPI para sociedade.
O pouco que temos de PD&I, quando comparado aos Estados Unidos, Europa, Japão e Coréia do Sul, por exemplo, só é possível com o atual regramento jurídico consubstanciado no Art. 40. Sua remoção tornaria o direito à propriedade da invenção no Brasil o mais curto do mundo, relegando o ambiente de propriedade intelectual a se assemelhar com algo mais parecido à Venezuela do que à Europa ou aos Estados Unidos.

A alegação de alguns analistas de que a ADIN busca promover a concorrência e a competitividade não vem acompanhada de uma reflexão sobre a necessidade de criar um ambiente de segurança jurídica no país que estimule a inovação e, para tanto, que as instituições como o INPI funcionem de forma mais célere e eficiente. Caso contrário, mais uma vez será “jogado o bebê junto com a água da bacia”.
Sem uma legislação segura e um sistema eficiente de patentes, a promoção da inovação será mais uma comprometida.

Vale lembrar a conclusão obtida pelo economista Joseph Schumpeter há mais de 100 anos: sem inovação não há desenvolvimento econômico.

(*) – Economista, mestre em Economia de Empresas e doutor em Administração Pública e Governo, coordena o Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.