Samuel Hanan (*)
Nunca foi tão oportuna a frase de Millôr Fernandes (1923-2012), segundo a qual “o Brasil é o único país em que os ratos conseguem botar a culpa no queijo”.
Até 2018, a sociedade brasileira aplaudia a Operação Lava Jato, a maior investigação da história do país contra a corrupção. O resultado, que desvendou um bilionário esquema de desvio de recursos na Petrobras, na Eletrobrás e outras estatais, levou à cadeia alguns dos maiores empresários, ex-ministros, publicitários e até um ex-presidente da República, e era aplaudido por cidadãos de todas as camadas sociais e por grande parte da mídia nacional.
Havia a sensação generalizada de que o país finalmente dava um passo gigantesco em direção da retomada da moralidade pública, com repercussão internacional.
Em pouquíssimo tempo, entretanto, a antes endeusada operação foi sendo demonizada.
Defensores e partidários dos réus buscaram argumentos nas decisões do STF, a mesma corte que havia homologado as dezenas de delações premiadas nas quais foram apresentadas provas do gigantesco esquema de corrupção, reconhecendo – depois de mais de cinco anos – que a Vara Federal de Curitiba não tinha competência para atuar em grande parte dos casos, além de mudar o entendimento sobre a possibilidade de prisão após sentença condenatória em segunda instância.
Decisões colegiadas que não podem mais ser questionadas e precisam ser respeitadas. Com isso, muitas sentenças foram anuladas e os processos voltaram à fase inicial. Réus foram soltos e desde então vigora a falsa narrativa de que todos acabaram inocentados quando, na verdade, permanecem denunciados e ainda respondem aos mesmos processos, podendo ou não sofrer nova condenação mais adiante.
Questões processuais à parte, a prova de que o esquema corrupto existiu está nos R$ 4,3 bilhões já devolvidos aos cofres públicos, nos R$ 2,1 bilhões arrecadados em multas aplicadas nos acordos de delação premiada e nos R$ 12,57 bilhões (cerca de R$ 15 bilhões hoje, em valores corrigidos) de multas aplicadas nos acordos de leniência firmados com as empresas que admitiram participação na engrenagem criminosa na Petrobras, onde o rombo foi de R$ 6,2 bilhões, segundo relatório financeiro de abril de 2015.
Também foram firmados acordos de leniência no valor total de R$ 262 milhões com empresas envolvidas em corrupção na Eletrobras. Exemplos não faltam. Como se fosse possível o desvio de um volume de dinheiro desta magnitude sem que houvessem agentes públicos corruptos, criou-se uma versão que criminaliza quem, no exercício de suas funções, investigou e puniu os responsáveis.
Condenou-se toda a Operação Lava Jato e as provas da corrupção foram jogadas na vala do esquecimento, tal qual a falha de memória diagnosticada como sequela da Covid 19 em boa parte dos que se contaminaram. É um exagero absurdo creditar as condenações da Lava Jata a interesses de um magistrado, ainda que posteriormente o algoz processual de muitos agentes públicos, o então juiz Sérgio Moro, tenha optado por deixar a toga para ingressar na política. Eventuais excessos devem e foram corrigidos.
Entretanto, a inversão de papéis entre quem investigou ou sentenciou e aqueles que foram acusados interessa somente a quem deseja confundir a opinião pública para desmerecer uma operação responsável por desnudar como a corrupção sugava os cofres da maior estatal brasileira e enriquecia agentes públicos.
Uma situação tão esdrúxula que permitiu a um réu da Lava Jato, um ex-presidente da República, após ter cumprido dois anos de prisão, candidatar-se novamente ao principal cargo da República, apesar de ainda responder a processos envolvendo casos de corrupção. Ou seja, se vencer as eleições, ele retornará justamente ao cargo que ocupou em parte do período em que se materializou o escândalo. Ou, se não for beneficiado pela prescrição, ser julgado, condenado e novamente preso durante o novo mandato, em péssimo exemplo para as novas gerações.
Situações como essa trazem descrédito ao Judiciário e alimentam a sensação de impunidade que permeia a sociedade brasileira, cada vez mais descrente nas instituições. Por isso o país clama por medidas imediatas e definitivas, capazes de mudar o rumo da nação. Dentre elas: a drástica redução do foro privilegiado, a possibilidade de prisão em segunda instância, o fim da prescrição em crimes contra a administração pública e, ainda, o fim da gratuidade do Horário Eleitoral, diante da gigantesca generosidade dos recursos destinados aos Fundos Eleitoral e Partidário.
São medidas necessárias e urgentes para o efetivo enfrentamento do mal da corrupção que já custa ao Brasil mais de R$ 200 bilhões por ano, segundo reconhece a ONU. Uma realidade que freia nosso desenvolvimento e cresce como erva daninha regada pela imoralidade. Não à toa, pesquisa Datafolha divulgada no final de março releva que 53% dos entrevistados acreditam que a corrupção vai aumentar no país. Portanto, o combate a essa prática exige avanços, nunca retrocessos.
(*) – É engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, ex-vice-governador do Amazonas (1999-2002). É autor do livro “Brasil, um país à deriva”.