Paulo Akiyama (*)
Dia dos namorados está chegando. Já posso imaginar as filas intermináveis em restaurantes e bares. O coletivo imaginário já sabe como será o final da noite.
Enquanto tudo são flores, o relacionamento do casal coleciona dias de carinho e afeto. Porém, quando ocorre o término deste relacionamento, seja lá qual for o motivo ou motivos, uma das partes passa a externar descontentamento apostando na justiça uma forma de se vingar. Péssima ideia.
Além da proximidade da data, decidi escrever sobre o assunto porque tenho recebido em meu escritório inúmeros telefonemas com esse tipo de questionamento, de pessoas que, inclusive, têm praticado a contratação de namoro, por meio de escritura pública, outras por instrumento particular, buscando assim uma “blindagem” patrimonial para garantir, no caso da falência do namoro, que não ocorra arguição judicial de união estável e, portanto, ter que dividir seu patrimônio.
Vamos lembrar sobre os princípios do que se trata namorar. Entende-se como o encontro de duas pessoas que pretendem se conhecer melhor, em que há uma atração física e emocional, além do compartilhamento de ideias, desejos, amigos, ou seja, atividades e coisas em comum.
Quando saem ou viajam, dividem despesas. Coisa que no século anterior seria descabido, pois o homem era visto como o único provedor. Mais normal ainda, nos dias de hoje, os casais dormirem na casa de um ou do outro, passando mais tempos juntos inclusive durante a semana.
A partir daí, passam a se apresentarem como namorados. Apesar de todos saberem da convivência, não há intenção clara de constituir família, apenas de se manter um relacionamento sadio e amoroso. A convivência de casais, como namorados, é muito comum nos dias de hoje. Diferente de antigamente, o namorado não solicita autorização dos pais da namorada. Muito menos, aquele namorico no sofá de casa, com a mãe ou o irmão mais novo, sentado e vigiando, ou quando os passeios eram acompanhados por algum “olheiro”. No máximo, era ir ao cinema e, quando muito mais avançado, a um baile. O objetivo era claro, havia interesse de conhecerem-se melhor, noivarem e casarem-se.
Hoje, há inúmeros namoros que ocorrem na faixa dos 30 aos 40 anos onde a maioria já possui uma vida financeira definida. Muitos são profissionais liberais, empresários, entre outras atividades. Namorar, neste contexto, pode gerar dúvidas quando um dos dois conquista patrimônio ao longo do relacionamento e pensa que poderá ocorrer uma disputa futura, caso ocorra o término do “namoro”. Aquele que se sentir ofendido por conta do encerramento, acredita que pode ingressar com uma ação judicial e arguir a união estável como forma de retaliação, muito mais do que realmente desejar reconhecer a união estável.
Juridicamente falando, é possível classificar como namoro qualificado, que é aquele que se chama hoje em dia de namoro ao pé da letra, ou seja, há relacionamento íntimo, frequentam lugares e são vistos juntos demonstrando para a sociedade que possuem um relacionamento amoroso e firme. Porém, isto não define que ambos possuem a intenção de constituir família, o que é a diferença subjetiva entre namoro qualificado e união estável.
Enquanto o casal não possuir a vontade de constituir família, não se pode afirmar que há uma união estável. Para isso, devem transmitir e agirem com esta finalidade, ou seja, planejam ter filhos, tomam decisões em conjunto, querem conviver maritalmente e de forma duradoura, o que é diferente de estar no contexto de namorar simplesmente.
As pessoas são livres para contratarem entre si, criando obrigações. A expressão em latim pacta sunt servanda significa que o contrato estabelece lei entre as partes.
Mas é bom lembrar que esse instrumento deve ser elaborado para reconhecer direitos previstos em lei, e não meramente para “colocar no papel” aquilo que entendem ser. O contrato de namoro não existe em nosso ordenamento jurídico, portanto, não é admitido a sua discussão jurídica em eventual ação judicial. Há inúmeros votos de desembargadores e ministros dos tribunais superiores que refutam veementemente esta modalidade de contrato, inúmeros acórdãos de nossos tribunais sobre o tema são claros da inadmissibilidade do contrato de namoro.
Porém, de forma empírica, muitos se utilizam do expediente do contrato de namoro para instruírem os processos em defesa para o não reconhecimento da união estável. Não se pode esquecer que, o namoro ao se iniciar, o casal não possuía a intenção de constituir família, porém, ao longo do relacionamento, decidem por constituir família, o que leva cair por terra o que foi contratado anteriormente. Da mesma forma, o casal inicia um namoro, mantem este relacionamento por meses, anos, mas jamais tiveram a intenção de constituírem família. Neste caso não se pode arguir, por qualquer uma das partes, o reconhecimento da união estável.
O art. 1.723 do código civil é claro no seu texto: “ É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Vejam que a própria lei assim prevê, ou seja, namorar não é a intenção de constituir família. Pode ser entendido, namorar, como meio do casal melhor se conhecer, passar momentos juntos, mas não necessariamente ter filhos e ou constituírem uma família.
Chamamos a atenção que a vida real não é igual aos filmes americanos, que passam a ideia de que se pode contratar um relacionamento. Aqui no Brasil, a vida real fora das telas é diferente. A nossa legislação não prevê tal situação. Então, antes de começar o namoro é bom deixar claro quais as reais intenções, e não contar com a ajuda da justiça para isso.
(*) – É formado direito desde 1984. É palestrante, autor de artigos, sócio do escritório Akiyama Advogados Associados (www.akiyamaadvogadosemsaopaulo.com.br).