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A lição que sabemos de cor, mas nos custa aprender

em Opinião
quarta-feira, 03 de outubro de 2018

Daniel Medeiros (*)

Sem saber ler e compreender o que se lê, somos como os cegos do Saramago: “cegos que vêem, cegos que, vendo, não vêem”.

O Ministério da Educação publicou os dados do Sistema de Avaliação da educação Básica (Saeb), referentes ao ano de 2017.
Pela primeira vez, o MEC apresentou os dados em uma escala de valores de 0 a 9 – sendo que de 0 a 3, o conhecimento é insuficiente; de 4 a 6, básico; e de 7 a 9, adequado.

Pois bem: o Ensino Médio foi classificado no nível 2 de proficiência. Na série histórica, o quadro é o mesmo de 2009. Em matemática, a média de pontos conseguiu, inclusive, ficar pior do que há 8 anos.

Um pouco mais de informações: nenhum Estado da federação alcançou a meta do Ideb para o Ensino Médio, que era de 4,4. São Paulo, inclusive, baixou. Também o Rio Janeiro e o DF. As escolas particulares não vão mal, mas não vão bem. Se a média para passar de ano fosse 6, só as redes particulares de Minas Gerais, Espírito Santo, Santa Catarina e DF teriam nota azul. Piauí, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul teriam de conversar com a professora e propor um trabalho extra, pois ficaram com nota 5,9.

Para o 9º ano do Ensino Fundamental, a média esperada era de 4,7 e foi de 4,4. No entanto, no quinto ano do Ensino Fundamental, apenas quatro Estados não cumpriram as metas previstas: Sergipe, Amapá, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Os pequenos conseguem ir bem até o quinto ano. Quando ingressam no chamado Fundamental II, a coisa apura. No Ensino Médio, desanda.

E o que isso significa realmente? Que nossos jovens do Ensino Médio, na sua imensa maioria, não sabem destacar a ideia principal de um texto, ou interpretar um gráfico simples. Erram conta de mais. Trocam o S pelo Z, o P pelo B. Ou seja, em pouco tempo, os alunos do Ensino Fundamental saberão mais que os alunos do Ensino Médio. E o diploma, em vez de um carimbo do MEC, terá uma imagem do fundo do poço.

A pergunta que não quer calar é: por que isso acontece? E a resposta é simples, o que não quer dizer fácil: a escola não está gerando aprendizado. O aluno aprende algo em uma série, mas não está usando esse aprendizado na série seguinte. Daí esquece. E começa tudo de novo e, então, aprende outras coisas, mas não aprofunda, não consolida, não sedimenta conhecimento nenhum.

Tudo fica ali, na superfície, nas duas primeiras linhas. E quando o jovem é apresentado a um desafio que exija a mobilização das suas aprendizagens, como quem usa ferramentas para consertar ou inventar algo, ele estaca. Dá “tilt”.

E como gerar aprendizado? Em primeiríssimo lugar, pela literacia. Se não soubermos ler e compreender os signos da nossa cultura, nunca poderemos cultivar nada. Somos humanos porque nos inventamos por meio de nossas mãos e nossas palavras. Desde milhares de anos, fazemos e ensinamos aos outros como se faz e, então, os que aprendem, ensinam sem precisar mais fazer, por meio das palavras.

As palavras permitem a multiplicação do aprendizado sobre as obras dos homens e mulheres no mundo. Se não soubermos utilizar com desenvoltura e familiaridade a linguagem, nada será possível. Nem a matemática, nem a física, nem a química, pela razão óbvia de que seu aprendizado depende fundamentalmente da língua materna.

Faço coro ao que afirmava Roland Barthes: “se tivesse que deixar uma única disciplina para ser ensinada na escola, escolheria a Literatura”. Pois se compreendemos como as pessoas falam do mundo e como explicam o mundo, como o resumem, como o enfrentam com as palavras, como buscam decifrá-lo e transformá-lo, saberemos como fazer todo o resto, pois que compreenderemos.

Mas sem a ferramenta mestra da linguagem e da compreensão, quando muito pescaremos um peixinho magro que só servirá para lembrar de nossa fome e de nossa incapacidade de viver na beira de um rio caudaloso. “Minha Pátria é minha língua”, já dizia o poeta. Sem saber ler e compreender o que se lê, somos como os cegos do Saramago: “cegos que vêem, cegos que, vendo, não vêem”.

(*) – É Doutor em Educação Histórica pela UFPR, consultor de conteúdos da área de Humanidades e professor no Curso Positivo.