Victor Missiato (*)
A América Latina é um palco interessante para se analisar ondas políticas. A partir do século XIX, quando as ex-colônias conquistaram suas independências, diversos ciclos políticos ensejaram um perfil muito peculiar da cultura latino-americana.
Dos projetos liberais das elites aristocráticas e letradas novecentistas, a região assistiu a um ciclo de mudanças sociais importantes em meados do século XX até os anos 1960, quando um novo ciclo autoritário se espraiou na região, até um árduo processo de redemocratização que percorreu as décadas de 1980 e 1990.
Após um período de grande abertura econômica ao final do século XX, uma primeira onda de esquerda assumiu um inédito protagonismo em países como Venezuela, Equador, Bolívia e Brasil, sem contar os novos espaços conquistados no Chile, Uruguai e Argentina, já no início do atual século.
Muito impactante, essa onda praticamente hegemonizou a região, quando foi criada a UNASUL, que buscava avançar os espaços criados pelo Mercosul.
Liderada pelo Brasil, essa organização foi responsável por consolidar a ideia geopolítica das relações Sul-Sul no mundo globalizado.
A partir da crise de 2008 e seus impactos nas economias nacionais, diversas nações latino-americanas sofreram com a inflação e um novo déficit econômico em suas contas, causando um aumento do desemprego e queda nos índices socioeconômicos alcançados em tempos de alto valor agregado nas exportações das commodities.
Desse modo, a América Latina passou a não mais unificar um ciclo político. Enquanto alguns países optavam por uma direita mais liberal e conservadora (casos de Chile e Brasil), outros dobravam suas apostas em uma maior participação do Estado na economia. Nos últimos quatro anos, o cenário político latino-americano ficou mais complexo, tendo em vista os efeitos da crise da Covid-19 na cultura política e sociais de seus cidadãos.
O peso estrutural da baixa produtividade e competividade dos países latino-americanos influenciou no surgimento de novos atores políticos, que buscaram representar novos anseios de uma nova sociedade. Exemplos maiores desse fenômeno encontram-se no Chile, com a vitória do progressista Gabriel Boric, e na Argentina, com a chegada explosiva do libertário Javier Milei. No México e no Brasil, duas das maiores nações da região, as chegadas de Bolsonaro e Lopez Obrador deram novos contornos à direita brasileira e esquerda mexicana.
No entanto, por se tratar de países maiores, com diferenças regionais mais complexas, tais processos podem ser analisados de maneiras mais peculiares, preservando aspectos tendenciais importantes para se pensar a região como um todo. Isso se aplica, por exemplo, quando analisamos o fenômeno de Nayib Bukele, em El Salvador, e a breve presidência de Pedro Castillo, no Peru.
Todas essas perspectivas costumam encontrar suas arestas quando analisamos a cultura política uruguaia, com suas transições politicas institucionais e republicanas, que avançam cada vez mais desde a sua redemocratização em meados dos anos 1980. Diferentemente de vários outros países, a cultura política uruguaia preserva uma institucionalidade fundamental para salvaguardar seu elevado desenvolvimento socioeconômico.
Dessa vez, o candidato progressista da Frente Ampla, Yamandú Orsi, venceu o candidato governista Álvaro Delgado, do Partido Nacional, de centro-direita. O impacto dessa vitória é importante ao levarmos em consideração o crescimento da direita em todo o continente, a partir das vitórias de Milei e, recentemente, Donald Trump, nos EUA.
Desse modo, a vitória de Orsi fortalece uma posição de equilíbrio no Cone Sul latino-americano e estabelece limites para uma nova onda conservadora na região. Porém, ao mesmo tempo, ainda é muito cedo para afirmar que uma nova onda de esquerda irá habitar na região, pois o Uruguai é um país que se destaca por sua história de excepcionalidades.
No caso do Brasil, com o recente abalo sísmico na direita com as denúncias contra Bolsonaro, a vitória no Uruguai fortalece um pouco a tentativa de Lula em disputar com Milei a liderança geopolítica regional. Todavia, o ano de 2025 será um grande teste para que acordos entre pensamentos tão diferentes possam chegar a um consenso razoável e benéfico para a América Latina.
(*) – É professor de História no Colégio Presbiteriano Mackenzie/Tamboré, analista político e Dr. em História.