Maurício Alvarenga (*)
O assunto segurança é de extrema importância e sempre muito falado quando se trata de transporte de cargas. Mas, antes de entrar aqui na discussão dos motivos pelos quais a multimodalidade usando a cabotagem pode ser mais vantajosa, gostaria que avaliássemos juntos dois cenários.
Vamos partir do seguinte exemplo: transportar uma carga de eletroeletrônicos do Polo Industrial de Manaus para a região de São Paulo, onde estão localizados diversos centros de distribuição. Estamos falando não só de longas distâncias, mas de uma carga de alto valor agregado.
Primeiro, vamos falar do transporte de cargas via modal rodoviário, também conhecido como rodo fluvial. Nesse caso, a melhor opção existente hoje e que é utilizada pelas transportadoras é uma exaustiva jornada que se inicia na porta da indústria ou do centro de distribuição em Manaus. A partir daí a carreta já carregada com diversos produtos como televisores, ar condicionados, micro-ondas, motocicletas e muitos outros, é acondicionada sobre uma balsa para atravessar o Rio Amazonas.
De Manaus até Belém são 1.606 km de navegação e o tempo de viagem depende das condições de navegabilidade, mas usualmente são sete dias. Quando chega a Belém, este caminhão ainda tem que percorrer quase três quilômetros em rodovias, na maioria das vezes, em péssimo estado de conservação para chegar no destino final em São Paulo. Porém, temos outra possibilidade: a multimodalidade, usando a cabotagem e o modal rodoviário e/ou ferroviário nas pontas.
Nesse caso, a carga parte do cliente (o fabricante) acomodada em um contêiner, devidamente lacrado, e é embarcada em um navio de grande porte no Porto de Manaus com destino ao Porto de Santos. Já no terminal portuário de Santos, a programação da entrega é acordada com o cliente recebedor da carga.
Nesse caso, o contêiner poderá seguir para o destino final utilizando um caminhão e via rodovia por cerca de 82 quilômetros até chegar ao centro de distribuição; ou então meio de uma ferrovia até um terminal nas proximidades de São Paulo e completar um trecho de aproximadamente 15 a 20 quilômetros por caminhão até o destino final.
Ok, você deve estar se perguntando, mas se ambas usam a rodovia, por qual motivo uma é melhor que a outra? A questão está no tempo de exposição a ela. O transporte de cargas via rodovias é sem dúvida o mais popular. Em 2019, o Sindipeças em seu “Relatório Frota Circulante”, divulgou que o Brasil contava com mais 2 milhões de caminhões. Porém, esse alto volume de veículos não significa que esse modal seja o melhor e mais seguro.
Talvez não fosse nem preciso estatísticas para exemplificar, pois dificilmente iremos encontrar alguém que trafega a passeio ou a trabalho em nossas rodovias e que não se deparou em algumas dessas situações com um acidente de caminhão em seu percurso.
Porém, como não quero ser parcial vou trazer umas contextualizações e números também. No ano passado, as rodovias federais registraram quase 17 mil acidentes com veículos de cargas, o que representa 25% de todos os acidentes registrados na malha federal, segundo o levantamento, que se baseia em informações da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Sem falar que as ocorrências com caminhões são normalmente mais graves do que com veículos leves e causam maiores fatalidades.
Vale lembrar que, no Brasil, em 2019, foram registrados mais de 18 mil roubos de cargas, de acordo com a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC). Isso significa que, em média, a cada duas horas, transportadoras tiveram suas cargas roubadas em ações de quadrilhas nas rodovias brasileiras. Além disso, no caso específico desse trecho que mencionei acima, ele é altamente conhecido pela ação de piratas, que invadem as balsas e roubam as cargas. Em 2018, foram 88 assaltos a embarcações no Estado do Pará. São milhões em cargas roubadas.
Quando falamos de segurança da carga, também precisamos avaliar os índices de avarias, afinal ninguém deseja um acidente ou que sua carga seja roubada, mas tão pouco que sua mercadoria chegue ao destino final danificada, com embalagens rasgadas, etc. Imagine uma carreta atravessando um rio e rodando mais de 3 mil km, levando uma carga sensível e de alto valor.
Freadas bruscas, aceleradas, buracos, quebra-molas. Além disso, o tipo de caminhão escolhido nem sempre é o mais adequado para o transporte de carga e, muito menos, o mais seguro, o que é outro aspecto importante. Grande parte da frota brasileira, embora não tenha dados concretos sobre isso, é composta siders (aqueles que têm suas laterais fechadas por lonas). Mas, o que isso impacta na segurança?
As lonas mais frágeis podem ser facilmente cortadas em qualquer parada que o motorista faça em seu trajeto, seja para abastecer o veículo ou dormir em um posto de combustível por exemplo. O que deixa a carga muito mais exposta e vulnerável. Em um cenário assim tão suscetível, as chances que as cargas transportadas pelo modal rodoviário cheguem avariadas ou com falta de algum produto são bem maiores.
E esses danos vão desde as grandes perdas, algumas até totais de cargas, ocasionadas por esses acidentes, até as pequenas; por conta da própria movimentação da carga dentro do caminhão. Então quer dizer que cabotagem é melhor? Sim e por diversos fatores.
Primeiro porque, mesmo considerando a multimodalidade e as operações porta a porta, trata-se de um modal que tem um índice de exposição às rodovias muito menor, neste exemplo com uma carga saindo de Manaus para São Paulo, estamos substituindo três mil quilômetros mais sete dias de balsa, por uma navegação de cabotagem e apenas cerca de 100 quilômetros na rodovia.
Ou seja, na segunda opção a carga fica estatisticamente 30 vezes menos vulnerável em rodovias, deixando as estradas com menos trânsito de caminhões, mais fluidas e mais seguras. Claramente, este aspecto de menor tráfego de caminhões nas estradas também é um benefício para toda a sociedade que as utilizam. Os índices de avarias decorrentes do transporte por navegação de cabotagem é outro diferencial, pois tendem a zero.
Além de estar menos exposto às rodovias, o equipamento utilizado para acondicionar a carga, neste caso o contêiner, traz uma proteção extra para o produto transportado. Cenário diferente, por exemplo, do transporte rodoviário de maneira geral, pois as chances de a carga movimentar-se dentro do caminhão ou acontecer uma avaria nesse deslocamento são muito maiores do que em navio.
Isso é crucial para algumas indústrias, pois além de garantir a satisfação do cliente, afinal ninguém quer receber uma mercadoria com defeito, ajuda a evitar a dor de cabeça da logística reversa para trazer seu produto de volta e até para evitar que ele chegue a um mercado paralelo, para ser vendido de forma marginalizada.
Falando de logística e considerando nossa matriz de transporte, todos os modais são fundamentais e necessários para o transporte de cargas, o que precisamos saber é onde e quando utilizar o mais eficiente. Então, você tem dúvidas ainda de que a cabotagem é melhor opção ao rodoviário para o transporte de cargas em longas distâncias?
(*) – É diretor comercial da Log-In Logística Intermodal, empresa 100% brasileira, de soluções logísticas, movimentação portuária e navegação de cabotagem integrada a outros modais (www.loginlogistica.com.br).