Jayme Petra de Mello Neto (*)
De acordo com o Boletim Focus, divulgado em fevereiro, a estimativa dos economistas é de que a taxa Selic chegue a 9% em 2024. No último comunicado do Copom foi indicado que o ritmo de queda da taxa básica de juros será mantido nas próximas reuniões.
Com isso, é provável que ocorram mais duas reduções de 0,5 ponto percentual nos encontros de março e maio. Atualmente está em 11,25% ao ano, sendo o menor nível desde março de 2022. Além disso, estima-se que a inflação caia, com o IPCA abaixo dos 4%, e o PIB cresça, ainda que de forma modesta, chegando a 1,75% em 2024.
As perspectivas globais têm se mostrado menos adversas. Nesse sentido, especialistas do mercado financeiro esperam que haja uma diminuição na taxa de juros dos Estados Unidos a partir de março, já que a inflação está sob controle em boa parte do mundo (nos EUA, em parte da Europa e no Brasil, embora com menor intensidade) e as preocupações com uma recessão global tenham diminuído.
Todos esses fatores contribuem para um cenário mais otimista em relação à economia brasileira, o que pode trazer algumas oportunidades para as empresas, tanto para as que desejam expandir seus negócios quanto para as que precisam se reestruturar e negociar débitos.
Dessa forma, a diminuição da taxa de juros pode representar novas possibilidades para as empresas realizarem a reestruturação de dívidas, captarem recursos para investir em expansão, modernização e crescimento, além de diversificar as operações, aumentar a capacidade produtiva e o desenvolvimento de novos negócios, entre outros pontos.
No entanto, independentemente das necessidades da organização, é crucial atentar para a viabilidade jurídica das operações, os possíveis impactos na estrutura societária e os riscos envolvidos nos processos, principalmente quando falamos da tomada de crédito.
O empresário costuma correr riscos calculados. Estée Lauder, a grande magnata dos cosméticos, disse, certa vez, que “riscos são a pedra angular de impérios”.
Mesmo que sejam grandes, estruturais, eles são conhecidos, percebidos ou nascem de uma consciência intuitiva da realidade e da estabilidade do mercado. Os riscos da primeira ordem, quando políticos ou relacionados a grandes eventos, costumam ser rapidamente incorporados pelas companhias. Mas quando os riscos empresariais são afetados por uma mudança de visão e interpretação dos fatores que não estavam evidentes ao mercado, ainda que pudessem ser conhecidos, toda a organização passa a sofrer com um ritmo descontrolado.
Entre esses riscos que já vinham sinalizando mudanças sem a perfeita declaração de sua extensão estão os referentes à tomada de crédito e endividamento, em geral.
Como mencionado, parece haver uma oferta de crédito mais barato no mercado, se comparado o valor nominal de taxas de juros com períodos anteriores. No entanto, o que não se revela é que as condições de acesso a esse crédito se tornaram mais complexas, com muito mais riscos inerentes a uma eventual dificuldade de pagamento futura.
Além disso, é importante ressaltar os riscos jurídicos, que se declararam ao mercado com a mudança de entendimentos jurisprudenciais, sobreposição de leis e até a ocorrência de um fenômeno tipicamente brasileiro: a lei que não pega. Em 2021, por exemplo, indicando uma preocupação com o crédito em si e ainda sob efeito da pandemia de Covid-19, foi editada a Lei nº 14.181, que tratava do superendividamento, tendo como foco a pessoa física.
Embora não tenha uma relação direta com o endividamento empresarial, o fato é que a preocupação legislativa naquela época era evitar que o crédito fosse concedido como uma solução fácil, apenas para resultar em dificuldades mais severas. É frequente o enfrentamento pelo Judiciário de processos em que os devedores se encontram com dívidas muito acima de sua capacidade de pagamento.
Ainda que não sejam aplicáveis às empresas as regras da Lei de Superendividamento, havia uma sinalização de princípios de responsabilidade na concessão dos créditos por instituições financeiras, que começavam a ter que exercer maior diligência acerca da capacidade de pagamento dos devedores, sejam pessoas físicas ou jurídicas, considerando todos os dados de endividamento disponíveis.
Quando falamos das empresas, o cenário é outro. A leitura que hoje é feita acerca da aplicação da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, que foi inspirada num modelo norte-americano, é contrária aos objetivos pensados pelo legislador. O foco da lei, que era a manutenção dos empregos, da fonte produtiva e dos interesses do mercado, foi substituído por uma abordagem complexa e onerosa.
Busca-se menos recuperar a atividade econômica e mais a satisfação do crédito, concedido sem a devida responsabilidade na avaliação do tomador, o que deveria ser intrínseco ao risco da instituição financeira.
Essa mudança de perspectiva judicial, durante a vigência de contratos existentes, tem impactos significativos nos riscos que os empresários acreditavam ter assumido ao tomar o crédito. Esse desafio, muitas vezes, não é identificado antecipadamente devido à ausência de uma assessoria jurídica especializada.
Em resumo, o financiamento com capital de terceiros é um dos pilares da aceleração econômica empresarial, e o atual cenário macroeconômico pode trazer oportunidades para as empresas que buscam expandir sua atuação ou renegociar dívidas. Porém, é preciso que se tenha consciência dos riscos para tomar decisões mais estratégicas e manter a continuidade dos negócios.
(*) – É head no Marcos Martins Advogados (https://www.marcosmartins.adv.br/pt/).