Gustavo Dalla Valle Baptista da Silva (*)
As medidas apresentadas pelo governo para auxílio de empresas e trabalhadores são razoáveis e proporcionais até aqui, considerando que é necessário equilibrar as necessidades dos socorridos com a capacidade financeira do poder público. Mas o são para todos?
Dentro das propostas para auxílio às empresas e preservação de empregos temos providências de natureza tributária (prorrogação do vencimento de tributos, redução de burocracias – que desoneram a operação, indiretamente – e suspensão de cobranças do que não for pago), de natureza trabalhista (regulamentação de home office, antecipação de férias, redução ou suspensão dos contratos de trabalho) e de natureza financeira (abertura de linhas de crédito e redução de custos de financiamento).
Tais providências amenizam os impactos ao caixa das empresas e estimulam que estas posterguem ou não demitam seus empregados e mantenham minimamente seu ambiente de negócios. Ocorre que, mesmo adequadas à capacidade do governo, para certos setores essas medidas possivelmente são insuficientes. Algumas empresas de menor ou maior porte ou de áreas específicas tendem a suportar os maiores prejuízos, de modo proporcional e, por isso, deveriam ter algum suporte diferenciado.
Um exemplo claro disso diz respeito às linhas de financiamento com custo reduzido, já anunciadas, mas que, na prática, dificilmente têm chegado a todas as empresas, especialmente porque muitas não conseguem manter rating positivo de crédito num contexto de perspectivas financeiras negativas. É um ciclo vicioso. A depender do ramo de atuação, está claro que será longo o período de suspensão parcial ou total das atividades.
As empresas que possuem atendimento ao público ou operam no varejo são as mais afetadas: restaurantes, academias, assessorias esportivas, comércios de móveis, de roupas, de itens de alto valor agregado (linha branca, eletrônicos, veículos, embarcações e tantos outros), serviços de estética, de bem-estar, realização de eventos, locação de equipamentos para tais atividades, consultorias e outros tantos.
Ainda mais grave para aquelas atividades que não têm demanda a represar, afinal, ninguém cortará o cabelo duas vezes ou almoçará mais porque deixou de fazê-los durante o isolamento. A receita perdida agora não será recuperada. E certamente nesse universo as empresas de pequeno porte e aquelas regras claras de governança serão as mais afetadas pela crise econômica. Infelizmente, ainda que o povo brasileiro tenha um espírito empreendedor e não hesite em ousar, falta para boa parte do empresariado a consciência quanto a cuidar de suas finanças.
Certamente é momento de rever o negócio ou desengavetar algum projeto parado, buscando novas alternativas de receita ou formas de antecipar faturamento futuro.
Parcela relevante das empresas (nem sempre as pequenas) opera com o caixa necessário apenas para o mês corrente, ficando dependente do resultado imediato para a continuidade de sua atividade. É difícil encontrar preocupação com a gestão de caixa, controle de margens de lucratividade e constituição de reservas. Assim, num cenário de suspensão de atividades e sem reservas, como é o da quarentena, o resultado é terrível.
Nesses casos os estímulos e a ajuda governamental não poderão ressuscitar as empresas. É necessário que elas estejam minimamente saudáveis para que as medidas possam beneficiá-las.
Aí entra a criatividade do empresário, reinventando sua atividade, seja oferecendo nova forma de comercialização ou prestação dos seus serviços (a entrada no mundo digital, o oferecimento de pacotes antecipados aos seus consumidores e assim por diante).
Não há solução mágica, certamente. E é bem difícil imaginar que a solução para um possa ser a tábua de salvação para o outro, porque as características regionais e as peculiaridades do fôlego financeiro de cada empresa são bem distintas. Certamente é momento de rever o negócio ou desengavetar algum projeto parado, buscando novas alternativas de receita ou formas de antecipar faturamento futuro.
E é mais do que recomendável adotar as medidas legais apresentadas pelo governo, com planejamento – estruturar o pagamento dos tributos conforme as prorrogações e ajustar os contratos de trabalho conforme a necessidade e o suporte necessário aos empregados (estabelecer escalas de trabalho, mesclar as alternativas de suspensão e redução dos contratos, estabelecer férias antecipadas e outras mais). E independente do governo, é momento de renegociar contratos de fornecimento e alongar prazos de pagamento.
É razoável esperar que o poder público lide diferentemente com essas empresas, confortando seu maior sofrimento com o prolongamento das medidas atuais e a elaboração de novas (novas prorrogações, compensações para preservação de empregos, linhas de crédito subsdiadas e garantidas pelo governo e outras). Sem dúvida não há como comparar as necessidades de uma das empresas citadas acima com a de uma indústria de álcool em gel.
Nesse momento ambas podem se valer das medidas tributárias e trabalhistas, mas há que ser modulada a destinação dos esforços seguintes para socorrer os mais afetados. É difícil antever o tempo de permanência da pandemia e, mais ainda, dos seus reflexos. Pelos levantamentos atuais, a expectativa é que o Brasil (com regiões mais e menos afetadas) atinja o ápice da contaminação entre maio e junho e, por consequência, será o período com maiores medidas de restrição econômica (quarentena e redução de atividades).
A partir de junho e julho as atividades poderão, gradualmente, ser retomadas. Infelizmente, um grande estrago já estará feito. O caixa das empresas estará bastante debilitado para novas compras e reabastecimento, o crédito estará restrito e, especialmente, o volume do mercado menor. A retomada se reiniciará durante o segundo semestre e, num olhar positivo, deve implicar num final de ano ainda instável e apenas parte do caminho. Os níveis econômicos mais próximos do começo de 2020 só devem ser verificados em 2021.
O fato é que que ninguém poderia conceber a situação atual e a ela se preparar. Nem com bola de cristal. Há um ano discutiam-se amplamente as reformas a serem implementadas – a da previdência avançando e a administrativa e a tributária em debate – e havia clara expectativa de crescimento econômico. Quando a decolagem se aproximava, um inimigo invisível apareceu. E contra ele não sabemos ao certo como lutar.
Um breve alento é que momentos de crise também são ambiente para oportunidades. A concorrência está sofrendo, novos mercados e modelos se abrindo, o preço e o custo de financiamentos reduzidos. Todos reiniciarão a partida em condições mais igualitárias (sofridas, mas próximas). Importante, todavia, que se for investir mais, é preciso ter cautela e planejamento. Há oportunidade para arriscar, mas a situação já implica um nível de risco pouco visto anteriormente.
Estabelecer limites ao investimento e métodos de mensuração da resposta são indispensáveis. E, claro, sem que prejudique mais o já debilitado foco de atuação do empresário. Os efeitos são, sem dúvida, catastróficos. A luta pela vida e pela sobrevivência de pessoas e empresas é o maior desafio em décadas. É momento de rever conceitos, mudar a forma de trabalho e do relacionamento com clientes. Respirar e brigar com planejamento. Alternativas existem e ninguém pode ser culpado por falhar tentando.
(*) – É Advogado especialista em matéria tributária, sócio da LBZ Advocacia e consultor jurídico de empresas.