260 views 9 mins

O futuro do trabalho está na flexibilidade

em Manchete Principal
sexta-feira, 22 de abril de 2022

Luís Giolo (*)

Recentemente, publicamos um estudo em parceria com a WeWork e a HSM sobre o futuro do trabalho na América Latina.

Ele nos mostra que a pandemia apenas tirou de debaixo do tapete uma questão que estava para ser abordada desde a primeira década do século 21, com o início da quarta revolução industrial e da digitalização exponencial das relações de trabalho — momento que pode ser considerado como o ponto de inflexão de tendências como nomadismo digital, ambientes compartilhados e deslocalização do trabalho, destacadas por inúmeras pesquisas e análises de futuristas.

A pandemia, então, colocou esses temas no liquidificador à máxima potência, e exigiu uma resposta dos líderes. No estudo, o modelo híbrido ganhou disparado como o ideal para o futuro, com 81% das respostas. Além disso, 42% das pessoas indicaram preferir passar somente dois dias no escritório, e três em casa, havendo um rodízio entre os colaboradores de uma mesma área, a critério do gestor.

Como conciliar os benefícios da maior integração entre os colaboradores no modelo presencial e a consolidação de uma nova cultura organizacional, com o desperdício de tempo no deslocamento ao escritório citado por 93% dos respondentes? Também há pouco tempo, assisti a uma ótima palestra de Jared Spataro, vice- presidente Corporativo de Modern Work da Microsoft, que acrescenta mais alguns dados interessantes a essa discussão.

Tanto o estudo mencionado quanto o material de Jared mostram o lado paradoxal inerente ao ser humano. Na pesquisa da Microsoft, feita com cerca de 500 milhões de usuários globais do Office 365 e dos usuários de LinkedIn, 73% querem a permanência do modelo remoto, pois ele traz mais flexibilidade. Ao mesmo tempo, 67% querem mais reuniões presenciais nos escritórios. Como combinar esse dilema, com duas proposições aparentemente conflitantes?

Também é verdade que o modelo híbrido nos fez trabalhar mais. De acordo com Jared, estamos logados 46 minutos a mais por dia nos programas da Microsoft, e as fronteiras entre a vida profissional e pessoal ficaram mais frágeis, já que o pico de uso desses sistemas acontece antes e depois do almoço e após as 21h, pelo mundo afora.

Isso tem levado muitos profissionais a repensarem sua carreira. Dados do LinkedIn mostram que 41% estão considerando deixar seus atuais empregos, enquanto 46% planejam uma mudança de carreira significativa. Já no estudo da HSM/WeWork, 47% das organizações estão mais abertas a contratações de profissionais residentes longe da sede da empresa.

O que isso significa para os líderes empresariais na atração e na retenção de talentos? Que os colaboradores encontraram uma nova equação de quanto vale o trabalho, muito mais ligada à saúde e aos aspectos de bem-estar. Que os gestores se sentem pressionados entre as expectativas dos líderes e as dos empregados. Mais importante, os líderes precisam fazer com que o escritório seja atrativo, que valha a pena o deslocamento dos profissionais, pois ninguém quer perder tempo com isso para ficar fazendo reuniões virtuais no escritório.

O desafio aqui é como saber quem irá ao escritório, em qual dia. Se flexibilidade passa a ser o nome do novo jogo corporativo advindo da maior autonomia do modelo híbrido, ela não deve ser confundida com estar sempre conectado. Reconstruir o capital social das organizações no modelo híbrido é bem diferente do passado e ninguém ainda encontrou a fórmula certa. Essa tarefa irá passar necessariamente por três esferas:

. Cultura organizacional – A cultura organizacional, ou seja, o conjunto de propósitos e valores que formam a alma da empresa e guiam os colaboradores nas tomadas de decisão. Como fazer isso sem todos no escritório ao mesmo tempo? Como não criar duas classes distintas de colaboradores, os presentes e os ausentes nas reuniões?

. O uso da tecnologia – O uso correto da Tecnologia, isto é, se o Zoom ou o Teams facilitou nossa vida pela facilidade da conexão, como substituir a conversa de corredor ou no cafezinho? Como não ser forçado a terminar uma reunião virtual atrasada pois outra já começou e a pessoa do outro lado pode achar que algo está errado com a conexão ou que você não a valoriza o suficiente para estar no horário? Aparentemente ficamos mais pontuais na pandemia, mas talvez a um custo social de terminar mais encontros de maneira abrupta.

. Espaço físico – Espaço físico mais integrado, mais aberto, onde quem está no escritório se vê com mais facilidade, pois se cada um permanecesse na sua sala de porta fechada não seria muito diferente das telinhas virtuais. Em paralelo, o espaço precisa dar alternativas a quem necessita se concentrar em alguns momentos do dia, pois pode ser difícil terminar uma tarefa que requer muita atenção ao detalhe num ambiente assim. No estudo da HSM/WeWork, 41% das empresas já tomaram a decisão de reduzir seus escritórios, assumindo que nem todos estarão lá ao mesmo tempo.

O modelo de remuneração da força de trabalho parece ter migrado do dia que se passa no escritório para as horas em que se passa on-line. Assim sendo, será que veremos uma maior fragmentação da força de trabalho, em que as pessoas terão empregos paralelos com dedicações físicas e virtuais distintas? Será que voltaremos ao trânsito da manhã e do final da tarde nas grandes cidades, a partir do momento em que as pessoas possam interromper o trabalho físico antes disso e continuá-lo algumas horas depois, de forma mais produtiva?

Pouquíssimas empresas haviam testado um modelo de trabalho em que duas pessoas se complementavam numa única posição, normalmente associadas, por exemplo, a uma volta de licença-maternidade parcial de uma delas (como na Unilever), mas será que isso pode agora vir a ser a norma vigente? E qual será o impacto na avaliação de desempenho dessas pessoas que dividem a mesma função?

Bem, ainda temos muito mais perguntas do que respostas, mas já sabemos mais sobre esse novo modelo de trabalho hoje do que no início da pandemia. Os escritórios provavelmente não irão acabar mas estão sendo adaptados para uma nova forma de uso. Os benefícios corporativos aos colaboradores também estão mudando para acomodar a flexibilidade da forma de trabalho.

A questão que fica é o que teremos que fazer ou mudar para nos adaptarmos mais rapidamente a esse novo modelo.

(*) – É co-Líder da Prática de Conselhos e Sucessão de CEOs da Egon Zehnder no Brasil (https://www.egonzehnder.com/).