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O absurdo poder das redes sociais em razão da coleta de dados

em Manchete Principal
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Luiz Augusto Filizzola D’Urso (*) e Flávio Filizzola D’Urso (**)

As mudanças tecnológicas estão sendo, a cada dia, mais intensas na vida das pessoas, dentre as várias inovações utilizadas diariamente, como os computadores e os smartphones, foi criada uma ferramenta que revolucionou não apenas a forma de interação das pessoas com o mundo, mas especialmente as relações interpessoais, que foram as redes sociais.

A primeira rede social utilizada em larga escala e que ficou famosa mundialmente foi o Orkut, que teve sua versão em português lançada há mais de 15 anos. Nesta época, poucos imaginavam como estas empresas poderiam se tornar poderosas e influenciar a vida das pessoas. Muito menos, como os dados pessoais poderiam ser coletados e utilizados para mudar os rumos do mundo.

No engatinhar das recém-nascidas redes, notavam-se os primeiros passos do que viria a ser a massiva exposição virtual, com depoimentos públicos de amigos, postagens de fotos pessoais, comentários em conteúdos e outras ações, tudo realizado dentro daquela plataforma.

É curioso notar que, apesar de terem se mantido um serviço gratuito e sem produzirem nenhum conteúdo, – uma vez que são os próprios usuários que publicam e alimentam estas plataformas -, as redes sociais passaram a ter um alto valor de mercado, como no caso do Facebook, que neste ano de 2021 é avaliado em cerca de 750 bilhões de dólares. Assim, fica sempre a grande pergunta: Afinal, como foi possível enriquecer ao longo dos anos, sem cobrar nada dos usuários?

A questão é que aos poucos, percebeu-se que o usuário, ao utilizar tais plataformas por tantas horas, interagindo com o conteúdo publicado, com os demais usuários, realizando publicações, check-ins, likes e etc., estaria fornecendo uma gigantesca gama de informações pessoais, sociais e até íntimas, e que esses dados relevantes, uma vez coletados, poderiam possuir grande valor no mercado.

Imagem: Pexels

Assim, os milissegundos que o usuário visualiza cada foto, as publicações que são curtidas ou compartilhadas, as selfies publicadas, as palavras-chaves escritas/monitoradas ou até a reação corporal (como microexpressões faciais ao olhar e reagir a um conteúdo na tela), passaram a ser coletadas, cadastradas, organizadas e comercializadas.

Maximizando este cenário de evolução das redes sociais, nota-se, também, o crescimento na quantidade de usuários destas ferramentas, bem como do tempo que se permanece navegando dentro destas plataformas, além de uma dependência delas. Para exemplificar esta situação, alguns afirmam que a timeline sem fim, equipara-se a uma sopa de prazeres infinitos, levando os usuários a ficarem horas e horas navegando nas redes sociais, sem nunca chegar a um fim.

Assim, em razão desta realidade, que contempla esta enorme utilização pelos internautas, tanto pelo número de usuários, como pelo tempo conectado, bem como pela coleta de dados pessoais realizada, as redes sociais se tornaram gigantes bancos de dados de informações sobre as vidas e preferências dos usuários, transformando-se, desta forma, em plataformas extremamente poderosas e valiosas. Desnecessário lembrar que informação é poder, de modo que dados coletados, são informações que resultam em poder para quem os detém, neste caso, as próprias redes sociais.

Com relação aos dados coletados, estes são utilizados de incontáveis maneiras, além de terem se tornado importantes ativos de propaganda, para realização de um marketing digital mais assertivo, uma vez que com eles, é possível fazer o direcionamento para se atingir um maior êxito nas vendas de produtos, induzindo o destinatário desta publicidade (dirigida e pessoal) ao consumo. Isso tudo com base nas informações coletadas, que, como dito, possuem todos os detalhes de preferências, gostos e buscas, revelando, desta forma, os interesses dos usuários.

É por tudo isso que, após tantos anos coletando as informações de seus usuários, o Facebook já conta com um banco de dados com informações de, aproximadamente, 1/7 da população mundial, sendo que, este repositório de dados contém informações sobre tudo o que o usuário escreve, de suas fotos ou vídeos publicados, das “curtidas” na rede, dos compartilhamentos, tudo que consulta, por onde navega, de sua identidade, geolocalização e uma infinidade de outras informações importantes.

Além disso, o poder das redes sociais não se limita ao estudo, catalogação e distribuição/comercialização de todos estes dados coletados, o que já seria assustador, mas também na possível influência da opinião pública, pois, munidos destes dados, estas redes sociais podem entregar um conteúdo específico, pessoal e personalíssimo para cada usuário, fazendo com que determinados conteúdos tenham mais engajamento e alcance, podendo, portanto, até mesmo interferir nas escolhas e opiniões da população, inclusive em eleições.

O poder destas redes sociais fica escancarado, especialmente quando observada a recente decisão do Facebook de banir o então presidente dos EUA, Donald Trump, de sua plataforma. Trata-se, nada menos, do que a exclusão do perfil de uma das pessoas mais poderosas e influentes do mundo. Assim, verifica-se também o domínio destas plataformas de remover perfis e engajar conteúdos de quem quer que seja.

O fato do Facebook também se tornou uma plataforma de consumo e divulgação de notícias jornalísticas ou informações não oficiais, o que fez com que a plataforma se tornasse um campo fértil para a propagação de Fake News.

Imagem: Pexels

Foi neste cenário absurdo de ausência de controle e grande acúmulo de informações coletadas dos usuários, que se verificou a necessidade de se estabelecer regras que pudessem, no interesse público e dos próprios usuários, limitar a coleta das informações e dados pessoais, a fim de que, caso não seja autorizada pelo internauta, suas informações não possam ser coletadas e utilizadas, especialmente para fins econômicos, tecnológicos ou políticos.

Em tempos de proteção de dados pessoais, uma afirmação ganha relevo: “Se você não paga pelo serviço ou pelo produto, o produto é você”. Em alusão à remuneração das redes sociais, que são “gratuitas” aos usuários, e transformam os usuários no próprio produto de seu interesse. Fica, assim, cristalino que estas redes são “remuneradas” através da coleta de dados de seus usuários e de sua possível comercialização final.

Daí a importância da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, no Brasil. Foi promulgada em agosto de 2018, e sua vigência teve início em setembro de 2020. Porém, lembra-se que as punições às empresas, aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, em razão do descumprimento das disposições dessa lei, apenas serão efetivadas a partir de agosto próximo.

Desta forma, com o advento da LGPD, uma luz de esperança se acende, pois em um mundo de absurda e desmedida invasão de privacidade, através da coleta exagerada de dados, bem como de usuários que não se atentam aos riscos desta situação e sequer observam os termos de usos das redes sociais que utilizam, o advento de uma regulamentação que tenta regrar e diminuir esta exacerbada coleta, é extremamente bem-vinda, especialmente visando exigir mais transparência e menos exageros.

Portanto, uma nova cultura se avizinha, com o empoderamento dos usuários das redes sociais, que devem lutar por seus direitos, especialmente por um regramento claro, de como pode se dar a coleta e a utilização de dados pessoais, desde que autorizadas e realizadas no mínimo necessário para a atividade daquela empresa, sempre com absoluta transparência. Isto certamente decorrerá de leis de proteção de dados e de regramentos claros que disciplinem as autorizações de captação de dados. Novos tempos estão por vir.

(*) – Advogado especialista em Direito Digital e Cibercrimes, Professor de Direito Digital no MBA de Inteligência e Negócios Digitais da FGV, Presidente da Comissão Nacional de Estudos dos Cibecrimes da ABRACRIM e coautor da Obra “Comentários à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais”.

(**) – Advogado Criminalista, Mestrando em Direito Penal pela USP, Pós em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade de Coimbra e pela Universidade de Castilla-La Mancha, integrou o Conselho Nacional de Segurança Pública (2018), foi Conselheiro Estadual da OAB/SP (2016-2018) e é coautor da obra “Advocacia 5.0”.