Tenho ficado positivamente surpresa com o aumento da procura por experiências de aprendizagem gamificadas em tempos de isolamento social e pandemia. O aspecto positivo desta procura está no reconhecimento da contribuição da diversão e da ludicidade para a aprendizagem, especialmente por profissionais que antes eram relutantes na hora de escolher este caminho.
Flora Alves (*)
O ponto de atenção está em saber o que deve ser considerado no momento de desenvolver ou contratar uma experiência de aprendizagem gamificada ou um Learning Game pois, assim como uma roupa maravilhosa não é capaz de mudar o caráter de alguém, estética e diversão sozinhos podem até promover aprendizagem, mas não necessariamente aquela que você precisa que aconteça e se transfira para a prática.
Sabendo do risco de investir inadequadamente o seu orçamento, além da possibilidade de criar aversão a uma metodologia que poderia ser sua grande aliada, vale a pena se aprofundar um pouco mais neste assunto. O primeiro ponto é saber que Gamification, ou Gamificação vai além do uso de pontos distintivos e placares acompanhados de um bom design gráfico e muito barulho. Gamification consiste no uso de elementos de games em contextos diferentes dos Games.
Estamos cercados de exemplos no nosso dia a dia que vão desde os programas de fidelidade, nos quais acumulamos pontos para trocar por vantagens, até aplicativos que nos premiam com distintivos a medida em que progredimos em nossa atividade física e outros focados em aprendizagem de idiomas.
E tudo isso não é novo, no ano de 1912, a marca americana Cracker Jack, de biscoitos, começou a introduzir brinquedos surpresa em suas embalagens. É claro que naquela época, o termo Gamification sequer existia, mas na prática este elemento mobilizava a compra. Com o passar do tempo, começaram a surgir pesquisas sobre o assunto que já investigavam que fatores tornam as coisas divertidas de serem aprendidas a exemplo do estudo de Thomas Malone, professor do MIT.
Quando o assunto é aprendizagem, Gamification consiste na utilização de mecânica, dinâmica, estética, elementos e pensamento baseados em games para engajar as pessoas, motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas. Oliver Wendell Holmes, médico, autor e professor em Cambridge, dizia que “nós não paramos de brincar porque envelhecemos, mas envelhecemos porque paramos de brincar”.
Os games são mais antigos que própria cultura uma vez que cultura pressupõe a existência da sociedade humana e outras espécies também brincam. Quando transportamos os games para o ambiente de aprendizagem vamos utilizar elementos de um game, mas na maioria das vezes ele não será uma atividade voluntária e sim uma estratégia para facilitar o aprendizado.
Entre os aspectos que tornam o uso de jogos atrativo para a aprendizagem merecem destaque o desafio, a ação, os espaços abertos nos quais se deve tomar decisão, o risco, a história, e sobretudo o fato de que o desempenho vem antes do domínio. Este conjunto promove o engajamento tão importante para que a aprendizagem aconteça.
É preciso lembrar, entretanto, que o adulto aprende apenas quando ele deseja ou quando ele precisa o que significa que o ponto de partida é a relevância deste aprendizado para quem vai aprender, ou seja, para nossos jogadores. Em seu livro ‘The art and Science of Training’, Elaine Biech faz uma analogia entre o nosso cérebro e um computador dizendo que ambos só funcionam quando ligados. O que liga nosso cérebro para que a aprendizagem aconteça é nossa disposição que é estimulada, por sua vez pela relevância deste aprendizado para nós.
Em outras palavras não basta ter um jogo super cool, é preciso que ele entregue mais que diversão quando aquilo que buscamos é aprendizagem.
Para que um Learning Game seja efetivo ele deve ter como ponto de partida o problema organizacional que se pretende resolver e o público para o qual está sendo desenhado, mas isso não é tudo. Precisamos analisar as interfaces deste público com outras áreas e pessoas, e também as características culturais da organização.
Os elementos que comporão o jogo (competição, cooperação, pontos, recompensas, mecanismos de feedback, regras e dinâmica do jogo etc.) devem estar conectados com as estruturas motivacionais adequadas para cada caso e cada ambiente. Quando isso não acontece o engajamento “se quebra” como se fosse um erro de continuidade no cinema ou ainda aquele filme de ficção que você está assistindo e de repente tem a sensação que “aí já é demais” e desconecta você.
Também é importante saber qual será o papel deste Learning Game no processo de aprendizagem e a necessidade ou não de um facilitador, lembrando que quem facilita desempenha um papel importantíssimo uma vez que o foco desta pessoa deve estar nos jogadores e naquilo que estão aprendendo e não simplesmente na diversão.
Note, para um Learning Game alcançar um objetivo proposto e trazer os resultados esperados você precisa ir muito além de pontos, distintivos e placares acompanhados de um bom design gráfico e um facilitador que atua como se estivesse animando uma torcida. É claro que, se você está em busca de um jogo com a finalidade exclusiva de diversão, tudo bem se limitar a isso.
Considerações finais para este artigo não virar um livro. Desenhar um Learning Game sem considerar as variáveis que abordei superficialmente aqui, podem fazer por exemplo, com que a competição e a diversão sobreponham a aprendizagem. Já vi isso acontecer várias vezes, e o resultado é desastroso uma vez que que a tônica passa a ser “o jogo pelo jogo”.
Alguns dos elementos do pensamento de um Game Designer que Karl Kapp e eu aconselhamos para as pessoas que estão aprendendo a fazer o design de um Learning Game conosco no GTA (Game Thinking Academy) são:
1 Comece com ação, o protagonismo deve ser de quem aprende;
2 Desperte curiosidade, mistério, intrigas;
3 Foque em habilidades e não apenas em objetivos;
4 Desafie o jogador (aprendiz);
5 Simule riscos, encoraje os erros!
6 Conte histórias, entregue fatos por meio delas;
7 Crie “mundos abertos”, fomente a exploração;
8 Coloque a performance antes do domínio;
9 Olhe para o passado para ter inspiração, mas foque no futuro.
Nós brasileiros somos muito criativos e intuitivos e é claro que a aprendizagem não se limita a eventos programados, ambientes formais e ambientes estruturados. Tudo isso pode inclusive atrapalhar. Mas lembre-se: o acaso existe e o universo conspira, mas você como um Learning Game Designer, precisa ser intencional.
(*) – É CLO da SG – Aprendizagem Corporativa, idealizadora do Trahentem®, autora do livro ‘Gamification: Como criar experiências de aprendizagem engajadoras’; e uma das maiores especialistas de aprendizagem no Brasil.