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“Cash is king”. A Covid-19 esvaziou meu caixa, e agora?

em Manchete Principal
sexta-feira, 03 de julho de 2020

Sem caixa, não há empresa. Por isso, quando o horizonte não inspira confiança, é importante que os empresários considerem soluções capazes de fortalecer seus empreendimentos e sustentar sua liquidez. Os reflexos econômicos decorrentes da pandemia da Covid-19 são sentidos em todo o mundo. Especialistas dizem, inclusive, que os obstáculos serão ainda maiores que os enfrentados no pós-crise de 1929. Nessa linha, muitas empresas vêm sofrendo com a queda vertiginosa de faturamento.

Caio Cesar Corso Quincozes (*)

Para enfrentar esse cenário existem diversas alternativas, que vão desde a reinvenção do processo produtivo (com realocação de custos e corte de gastos) até processos de recuperação (extrajudicial e judicial). Contudo, de uma perspectiva imediatista, se o problema é falta de caixa, o remédio mais óbvio parece ser a captação imediata de recursos, para assegurar liquidez e auxiliar na solvência da empresa a curto prazo.

A obviedade da sugestão, contudo, não reflete a complexidade de sua implementação. Diversas questões orbitam ao seu redor: Qual a melhor fonte de acesso ao dinheiro? Qual o custo de remuneração do capital? Qual o risco de a solução se tornar um problema ainda maior? De que forma estruturar a captação desses recursos?

Nenhuma das perguntas acima deve ser lida ou respondida isoladamente. O entendimento deve ser sistemático, pois uma depende da outra. O risco depende da forma, que depende da remuneração, que pode depender da fonte. Apesar disso, para facilitar a leitura, elas serão tratadas abaixo de forma individualizada e resumida.

A FONTE
Não há apenas uma fonte de recursos. Existem diversos investidores que, mesmo na crise, ampliam seus investimentos e aplicam recursos em empreendimentos privados de risco, sobretudo em período de baixa dos juros e de instabilidade na bolsa de valores. Os recursos podem vir, por exemplo, de instituições financeiras, de fundos de investimentos, de investidores profissionais, estratégicos ou anjos.

Conhecer o perfil do investidor é importante para entender o tipo de operação com a qual ele está habituado, porque tende a seguir uma estrutura jurídica e contratual que já conhece e com a qual se sente mais confortável. O ponto é que cada estrutura tem suas vantagens e desvantagens. O importante é que o empresário tenha clareza nas obrigações que estará assumindo e que tipo de reflexos a operação financeira pretendida trará para a sua empresa.

Por isso, é importante contar com assessoria especializada. Primeiro, para facilitar o acesso ao capital (networking). Segundo, e mais importante, para compreender a operação em sua totalidade, evitando os dissabores do amanhã, através de estruturas jurídicas compatíveis com as necessidades de cada caso.

A ESTRUTURA
Operações de captação de recursos se dividem entre operações de equity (participação no capital social) e de dívida (passíveis ou não de conversão em equity), realizadas por meio de contratos de mútuo, debêntures, bônus de subscrição e outros. A estrutura depende de fatores financeiros, negociais e jurídicos.

Sabendo a fonte do recurso, o risco da operação, o custo do capital e o tipo de empresa tomadora dos recursos, é possível traçar a estrutura mais adequada ao negócio e, assim, definir e elaborar os instrumentos contratuais necessários

Do ponto de vista jurídico, a primeira análise que deve ser feita consiste na compreensão da natureza jurídica da empresa tomadora do crédito. Existem operações que são compatíveis com qualquer tipo de sociedade, mas existem operações que são compatíveis apenas com as sociedades anônimas.

Além disso, a estrutura jurídica da operação deve levar em conta também o conjunto das respostas para as perguntas formuladas neste texto. Isto é, sabendo a fonte do recurso, o risco da operação, o custo do capital e o tipo de empresa tomadora dos recursos, é possível traçar a estrutura mais adequada ao negócio e, assim, definir e elaborar os instrumentos contratuais necessários, delineando e prevenindo os riscos inerentes a cada caso.

O CUSTO
Quanto essa operação vai custar à minha empresa? Essa é a pergunta que o empresário deve fazer, especialmente em momentos de contenção. O detalhe, neste caso, é que muitas vezes a resposta não é meramente financeira. Ela pode vir acompanhada também das consequências societárias e jurídicas resultantes da operação.

Isto é, a partir da operação, que tipos de decisões dependerão da participação do investidor/credor e em qual nível essa participação será exigida? De outro lado, do ponto de vista financeiro, o custo do investimento está condicionado a um rol extenso de variáveis que vão desde a inflação até a percepção de risco que o investidor tem sobre a empresa alvo da operação.

Depende, ainda, de aspectos práticos da negociação. Por isso, é difícil quantificar o custo de remuneração do capital de maneira precisa ou mesmo determinar o tipo de estrutura mais cara ou mais barata de maneira genérica. Essa avaliação é multidisciplinar e o resultado dependerá das premissas adotadas pelos profissionais envolvidos, que variam em cada trabalho. Por isso, também nesse aspecto, é importante que o empresário conte com assessoria especializada.

O RISCO
Seguindo as premissas básicas de qualquer investimento, quanto maior o risco percebido pelo investidor, maior será a remuneração exigida e, portanto, mais custoso será o capital para a empresa alvo da operação. Por isso, em uma organização bem gerida, com regras internas e políticas claras, organizada do ponto de vista decisório e com gestão profissionalizada, a percepção de risco tende a ser reduzida em comparação a outras empresas do mesmo segmento que não tenham o mesmo nível de governança corporativa.

Com efeito, a tendência é que o valor atribuído à sociedade alvo da operação seja superior, reduzindo a diluição dos sócios atuais (em caso de captação de recursos pela venda de participação societária) ou barateando a remuneração do capital investido (em caso de captação de recursos por emissão de dívida).

Vale dizer também que quando a captação se dá por meio de emissão de dívida, há também o risco de inadimplência frente ao credor. Nesses casos, o que era visto como solução, torna-se parte do problema, comprometendo ainda mais a solvência da empresa. Nesse sentido, a diluição no equity pode ser uma boa alternativa, já que o credor também assume o risco do negócio. Novamente percebemos a importância de contar com assessoria especializada para enfrentar esse tipo de questionamento.

Para superar as dificuldades econômicas anunciadas pela pandemia, encoraja-se que os empresários considerem, dentre as alternativas existentes, operações de captação de recursos. Porém, diligência é fundamental. À primeira vista, os contratos utilizados nessas operações podem parecer simples.

Contudo, pelo fato de as empresas serem entidades vivas, em constante movimento e evolução, referidos contratos são sensíveis e complexos, pois regulam temas críticos como a forma de composição do preço final da operação e o tratamento conferido a eventuais contingências da empresa e/ou alteração substancial na forma de condução dos negócios.

Portanto, recomenda-se que todos os passos sejam seguidos com critério, desde a negociação e mensuração do valor da operação à redação dos contratos e documentos acessórios. Num cenário repleto de incertezas, planejamento e disciplina são fundamentais.

(*) – É advogado da Área Corporativa do Marins Bertoldi Advogados
(www.marinsbertoldi.com.br).