Senadores querem política para doenças raras
O Senado quer encontrar soluções para as pessoas que sofrem de doenças raras. Nos próximos dias, os senadores formarão uma subcomissão para discutir com ONGs, médicos, cientistas, indústria farmacêutica e autoridades da saúde pública medidas que amenizem o sofrimento dos doentes
Romário (2º à esq.), Mandetta e Heinze com pessoas com doença rara e famílias. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Ricardo Westin/Ag. Senado/Especial Cidadania
As doenças raras formam um grupo bastante heterogêneo, cada uma com características muito próprias. O que as une são a baixa prevalência individual (daí o adjetivo “raras”) e o fato de serem crônicas, progressivas, degenerativas e incapacitantes. A grande maioria não tem cura. Em muitos casos, no entanto, há tratamentos que garantem o bem-estar e aumentam a sobrevida dos pacientes.
Para ser enquadrada como rara, a doença não pode atingir mais do que duas pessoas a cada grupo de 3 mil indivíduos. Como comparação, a diabete (que não é rara) afeta 230 brasileiros a cada grupo de 3 mil.
No Brasil, o grande problema que os pacientes enfrentam é o despreparo do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendê-los: quase não existem centros especializados no diagnóstico e no tratamento das doenças raras, boa parte dos médicos desconhece essas enfermidades (o que leva a diagnósticos tardios, tratamentos equivocados e mortes evitáveis) e a rede pública de saúde distribui poucos remédios específicos.
Mara Gabrilli, que propôs a criação de subcomissão sobre doenças raras. Foto: Pedro França/Agência Senado
A nova subcomissão funcionará dentro da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e terá 12 meses para concluir seus trabalhos. Quem pediu a criação foi a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP).
Um universo grande de pessoas acompanhará com expectativa os debates da subcomissão do Senado. De acordo com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), 13 milhões de brasileiros sofrem de alguma doença rara. O número equivale ao dobro da população da cidade do Rio de Janeiro.
Dado esse contingente, o termo “raras” pode soar contraditório. Não é. Existem 8 mil enfermidades diferentes que podem ser classificadas assim. Cada uma, isolada, afeta um número relativamente pequeno de indivíduos. Mas quando as doenças são somadas, os pacientes chegam a 13 milhões.
Entre as doenças raras, possivelmente as mais conhecidas são o lúpus, que obrigou a cantora americana Selena Gomez a submeter-se a um transplante de rim, a esclerose múltipla, que afastou a atriz brasileira Claudia Rodrigues da TV, e a esclerose lateral amiotrófica (ELA), que levou à cadeira de rodas e depois matou o físico britânico Stephen Hawking.
Doentes esquecidos
Outras enfermidades desse grupo são a acromegalia, a doença de Crohn, a doença falciforme, a fenilcetonúria e a fibrose cística.
— São doentes esquecidos — afirma a presidente da Associação de Familiares Amigos e Portadores de Doenças Graves, Maria Cecília de Oliveira. — Se os pacientes que têm doenças de maior prevalência já encontram dificuldades gigantescas para conseguir tratamento no SUS, os pacientes que têm doenças raras enfrentam cerca de cem vezes mais obstáculos.
Em 2017 e 2018, o Senado abrigou uma subcomissão dedicada às doenças raras. A sua grande vitória foi a aprovação do PLC 56/2016, que prevê a criação da Política Nacional de Doenças Raras. Como os senadores alteraram o texto, a proposta foi reenviada para a Câmara. Se os deputados a aprovarem, a transformação em lei só dependerá da sanção presidencial.
Política
Desde 2014, o país tem uma política para as pessoas com doenças raras. As entidades de pacientes, no entanto, não estão satisfeitas com ela. Primeiro, porque nunca foi plenamente executada, sobretudo por falta de dinheiro. Depois, porque ela está prevista numa portaria do Ministério da Saúde e, como tal, não tem força de lei e pode ser abandonada a qualquer momento.
A nova subcomissão ouvirá os atores envolvidos na questão, que terão as audiências no Senado como tribuna para, numa frente, narrar suas dificuldades cotidianas e tentar sensibilizar a opinião pública e, em outra, sugerir ajustes no projeto que está na Câmara e pressionar o governo a colocar a portaria do Ministério da Saúde em prática.
O Brasil conta com apenas sete serviços públicos de saúde que lidam com doenças raras. Não existe, portanto, uma rede nacional de atenção aos pacientes. Se todo o contingente procurasse os serviços existentes, cada um teria que atender a mais de 1,8 milhão de doentes. Nem mesmo a cidade de São Paulo, principal referência em saúde no país, dispõe de uma unidade especializada.
Essas unidades fazem falta não apenas para o tratamento, mas também para o diagnóstico. Como a maioria das doenças raras tem origem genética, elas podem ser detectadas precocemente. Quanto mais cedo se inicia o tratamento, melhor é o prognóstico.
Os medicamentos são outra questão pendente. Eles costumam ser muito caros. O tratamento de um único paciente com atrofia muscular espinhal (AME), por exemplo, custa R$ 1,3 milhão por ano. Os preços se explicam pela baixa demanda, típica das doenças raras, e pelos altos custos envolvidos nas pesquisas.
“Pagar para viver”
Os doentes ainda têm que enfrentar a lentidão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberar o uso de remédios e a demora do Ministério da Saúde para incluí-los nas farmácias do SUS. O medicamento Aldurazyme, por exemplo, que é usado no tratamento da mucopolissacaridose, ganhou o registro da Anvisa em 2005, só foi incorporado pelo SUS em 2017 — mas sua distribuição não começou até hoje.
— Não é justo que tenhamos que pagar para viver — disse, numa audiência na CAS em março, a estudante Laissa Polyanna, que sofre de AME.
Como resultado, muitos pacientes recorrem à Justiça para obter os remédios gratuitamente. Isso é ruim para eles, que podem morrer por não receber o tratamento a tempo, e também para o poder público, que, ao fazer compras isoladas e urgentes, fica sem poder de negociação com a indústria farmacêutica. Em 2016, o Ministério da Saúde gastou mais de R$ 1 bilhão para atender ordens judiciais desse tipo.
Laissa, de 12 anos, que tem doença rara, em reunião presidida pelo senador Romário. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Em abril, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, assinou no Senado uma portaria que incluiu nas farmácias do SUS um remédio específico para o tratamento da AME.
Entre os projetos em estudo no Senado que beneficiam os pacientes, estão o PL 682/2019, de Flávio Arns (Rede-PR), que prevê benefícios no Imposto de Renda de quem tiver dependente com doença rara, e o PLS 56/2017, de Rose de Freitas (Pode-ES), que autoriza a entrada de remédio estrangeiro para doença rara, desde que legalizado no país de origem.