Segurança pública: solução depende de participação social
Quando, no dia 30 de junho, uma bala perdida atingiu o bebê Artur, ainda na barriga da mãe, durante tiroteio entre policiais e criminosos em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, os brasileiros incorporaram mais um choque à extensa lista de episódios que marcam há décadas o dia a dia de um país efetivamente inseguro, segundo a avaliação de várias instituições especializadas no tema
Eunício Oliveira (C) preside sessão do Dia Internacional da Mulher: Senado aprovou em março projetos para a segurança da mulher. |
Nelson Oliveira/Ag. Senado/Especial Cidadania
A circunstância em que Artur foi baleado, em plena perseguição da polícia militar a traficantes da Comunidade do Lixão, é o principal ingrediente do quadro de insegurança: a incapacidade do Estado de oferecer proteção aos cidadãos de forma sistemática, continuada e abrangente.
Segundo o Fórum de Segurança, realizado de 17 a 19 de julho em São Paulo, entre as soluções para mudar o atual panorama, no qual uma pessoa é morta a cada 9 minutos, estão o estímulo à notificação completa por parte do cidadão e a cobrança do esclarecimento dos casos. “As polícias dependem da população para que seu trabalho seja eficiente, e a população precisa de polícias dispostas ao diálogo”, defende o fórum. A participação social na segurança pública também é fundamental, especialmente por meio de conselhos comunitários de segurança (Consegs).
A arquiteta Flávia Portela, presidente do Conseg Brasília-Centro, tem uma avaliação positiva da atuação da entidade.
— Os índices de segurança melhoram. Antes da criação do conselho, as demandas não eram atendidas com tanta agilidade.
A articulação com outros 36 Consegs é feita por meio de reuniões mensais e troca de informações.
Direito
O temor de ser assassinado acomete 62,4% dos brasileiros, segundo o Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No Nordeste e no Centro-Oeste, os percentuais chegam a 72,9% e 70,4%, respectivamente. Isso revela, segundo o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Arthur Trindade, que um dos pilares básicos da cidadania vem sendo seriamente alvejado: o direito à segurança.
— O nível de violência e criminalidade leva a que o país tenha uma alta taxa de medo, o que afeta as condições de vida de deslocamento e de trabalho dos brasileiros. Uma das justificativas para nos submetermos ao Estado é o de ele nos dar segurança, o que não está ocorrendo — diz.
O incidente do bebê Artur inclui-se no ambiente onde acontece a maior parte dos assassinatos no país, segundo aponta a edição de 2017 do Atlas da Violência, elaborado pelo Ipea em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: localidades pobres, com alta incidência de crimes e nas quais os jovens, principalmente negros, estão vulneráveis, sob várias formas, tanto à ação de criminosos quanto das forças de segurança.
É a mesma constelação de mazelas mapeada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens, cujo relatório, do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), foi aprovado há cerca de um ano. “A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Genocídio da população negra é a expressão que melhor se enquadra”, disse ele na ocasião. A presidente da CPI, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), observou que, um ano depois, “o diagnóstico está mantido. É preciso agora avançar nas causas e na adoção de medidas para combater o desenvolvimento da violência no Brasil”.
O relatório da CPI, em 2013, citou 56 mil assassinatos por ano no Brasil, o que equivale a 29 mortes por 100 mil habitantes, taxa considerada alta demais pela ONU. O próprio Atlas da Violência aponta a ocorrência de 57.396 homicídios naquele ano. Em 2015, esse número chegou a 59.080, crescimento de 22,7% sobre 2005, quando foram registrados 48.136 assassinatos.
O viés racial dos homicídios é indiscutível: enquanto a taxa de homicídios de negros cresceu 18,2% de 2005 para 2015, a de não negros caiu 12,2% no mesmo período.
O Atlas aponta “falta de comprometimento” das autoridades com políticas de segurança. Mas as debilidades são grandes mesmo onde há alguma política implantada e em razoável funcionamento. “Os últimos episódios da greve da PM capixaba e o recrudescimento da violência letal em Pernambuco após 2013 nos mostram o quão frágil é o equilíbrio em torno das políticas efetivas de segurança pública”, registra a publicação.
Auto de resistência
Como resultado da CPI do Assassinato de Jovens, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou em julho o projeto que suprime do Código de Processo Penal o chamado auto de resistência. O PLS 239/2016 recebeu emendas em Plenário, que serão agora apreciadas pela CCJ. Lídice da Mata lembra que o dispositivo tem sido muito usado por agentes de segurança, garantindo-lhes impunidade no caso de assassinatos, principalmente de jovens pobres e negros.
Mulheres
Os melhores resultados da participação social na segurança pública têm sido obtidos por grupos organizados em torno de causas específicas, cujas reivindicações se convertem em agenda. Essa é a avaliação de Trindade, que foi secretário de Segurança Pública do DF em 2015. Ele se refere à pressão de grupos feministas que lutam para combater a violência contra a mulher há uma longa data.
Juventude perdida
Começaram com as delegacias da mulher e agora temos muitas outras ações e políticas, como a Patrulha Maria da Penha [PLS 547/2015, que institui rondas policiais periódicas às residências de mulheres em situação de violência] — aponta.
O combate ao feminicídio é o foco de uma política pública desenvolvida desde 2016 pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como uma atribuição específica do órgão dentro da Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp), programa que, num âmbito mais geral, agrega também o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O Senado também busca contribuir aprovando projetos que ajudam a diminuir a violência contra as mulheres. Entre as propostas aprovadas em março, Mês da Mulher, este ano, estão as que deram origem à Lei 13.427/2017, que garante atendimento especializado no Sistema Único de Saúde (SUS) para mulheres vítimas de violência doméstica e sexual, com acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras, e à Lei 13.421/2017, que cria a Semana Nacional pela Não Violência contra a Mulher, campanha de conscientização para ocorrer em toda última semana de novembro. A proposta Patrulha Maria da Penha também foi aprovada e vai à Câmara.