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O poder do boca a boca

em Especial
segunda-feira, 25 de maio de 2015
O poder 2

Manuel Alves Filho/Jornal da Unicamp

Tese confirma a influência das redes sociais reais na escolha do consumidor e na forma como as empresas disputam o mercado;

O poder 2

Economista Marcelo de Carvalho Pereira, autor da tese.
Foto: Divulgação

Atire a primeira pedra quem nunca recorreu a um familiar ou amigo para pedir indicações sobre a qualidade de um bem ou serviço antes de adquiri-lo. A consulta boca a boca, estabelece o senso comum, ajuda o consumidor a decidir por este ou aquele fornecedor. Pesquisa desenvolvida para a tese de doutoramento do economista Marcelo de Carvalho Pereira, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, não somente ratifica esse entendimento, como revela que as redes sociais reais influenciam até mesmo na maneira como as empresas concorrem entre si. O trabalho foi orientado pelo professor David Dequech Filho.

De acordo com Pereira, o foco específico do estudo foi o mercado brasileiro de serviço de acesso à internet, no período 1996 a 2014. O economista explica que optou pelo segmento porque ele faz parte do que os especialistas classificam de bens e serviços complexos. Dito de modo simplificado, eles são complexos porque exigem do consumidor conhecimentos específicos, muitas vezes de ordem técnica, essenciais para orientar a compra. “Ademais, existem informações que nem sempre podem ser conhecidas a priori. No caso da contratação de um serviço, por exemplo, a pessoa só terá condição de avaliá-lo adequadamente depois de algum tempo de uso. Nesse caso, a consulta às redes sociais reais antes da contratação se torna importante, pois as indicações servem de referência para a escolha do fornecedor”, explica.

O economista observa que, quando os bens e serviços não são tão sofisticados, as pessoas tendem a privilegiar outras fontes, como internet e redes sociais virtuais, para obter informações. Isso ocorre porque os produtos são conhecidos e há somente a necessidade de qualificá-los. “Entretanto, quando se trata de produtos novos ou complexos, geralmente de valores mais elevados, o consumidor recorre com mais frequência à sua rede social real. Ou seja, ele tem maior confiança na experiência das pessoas mais próximas, porque não se trata somente de obter informação objetiva, mas de aprendizado sobre o próprio produto. Confiança, nesse momento, é importante”.

Isso pode ser mais bem compreendido, conforme o autor da tese, quando tomamos como exemplo o comportamento dos adolescentes. Basta que alguns integrantes do grupo comecem a utilizar um determinado produto, para que os demais também passem a adotá-lo. No caso dos consumidores, a mecânica é parecida, embora os motivos obviamente sejam diferentes. “As pessoas tendem a imitar umas às outras. O princípio é o seguinte: se meus amigos e familiares usam e aprovam, é sinal de que tem qualidade e utilidade. Os mecanismos que orientam a escolha, portanto, nem sempre são conscientes. Pesquisas genéricas apontam que 40% dos brasileiros se deixam influenciar pelas redes sociais reais no momento da compra de um produto, mais do que norte-americanos e chineses”, pontua o pesquisador.

Essa forma de organização social, continua Pereira, não interfere somente na decisão dos consumidores. Ela também tem capacidade de influenciar na maneira como as empresas disputam o mercado. “O fato de as pessoas agirem dessa forma, baseando suas escolhas nas dos conhecidos, aumenta a probabilidade de um determinado segmento do mercado ficar mais concentrado. O setor de acesso de banda larga à internet no Brasil, fixa ou móvel, é um exemplo dessa concentração. Embora ele conte com mais de 2 mil provedores em atividade, 95% do mercado é controlado por apenas quatro grupos. As demais empresas têm atuação muito restrita, normalmente no âmbito municipal ou regional”, informa.

Pereira afirma ter confirmado a influência das redes sociais na maneira como as firmas concorrem entre si por meio de uma ferramenta de simulação computacional. Alimentado com dados hipotéticos, o programa forneceu um cenário de como seria o comportamento do mercado caso os consumidores não recorressem a seus pares para se orientar sobre a aquisição de bens e serviços complexos. “Embora este não seja o único fator a ser considerado, O economista Marcelo de Carvalho Pereira, autor da tese: “A consulta às redes sociais reais antes da aquisição de um bem ou serviço se torna importante, pois as indicações servem de referência para a escolha do fornecedor”a simulação não deixou dúvida quanto à importância da influência social. Sem ela, o fenômeno da concentração seria significativamente menor, pelo menos potencialmente”.

Para melhor entendimento, Pereira exemplifica com um índice que mede a concentração de mercado (Herfindahl-Hirschman), cuja escala vai de 0 a 1. Quanto mais perto de 0, menos concentrado é um determinado setor da economia e vice-versa. “Normalmente, o índice de 0,2 é considerado um limite normal. Nesse caso, as agências que acompanham a concorrência não costumam se preocupar. Acima desse patamar, porém, um sinal de alerta é aceso. No Brasil, o índice de concentração no mercado de acesso à internet gira em torno de 0,25, ou seja, é elevado. Entretanto, no âmbito estadual, que é o que mais interessa ao consumidor, ele é ainda maior, em média 0,35. Em alguns Estados, ele pode atingir entre 0,6 a 0,9!”.

Parte dessa concentração, reforça o autor da tese de doutorado, pode ser creditada à influência das redes sociais. “A rede social pode promover o que chamamos de realimentação positiva. As pessoas costumam usar o que a maioria dos seus conhecidos já usa, ainda que o bem ou serviço não seja necessariamente o que apresente maior qualidade ou menor preço. Nesse cenário, a empresa mais popular tende a ficar ainda mais popular. A lógica da rede social é conservadora, visto que os consumidores têm acesso a um número limitado de pessoas e preferem não correr riscos. O resultado desse tipo de comportamento é que o grande acaba sendo favorecido e o pequeno, desestimulado de crescer”.

Em situações assim, acrescenta o economista, a atuação do Estado se torna importante. “É preciso que haja regulação, para impedir que o setor fique excessivamente concentrado e que ocorram comportamentos predatórios. No caso do serviço de acesso à internet no Brasil, a Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] precisa levar essas questões em consideração no momento de estabelecer as regras que orientam a atuação dos provedores no país”, pondera Pereira.

Na opinião do economista, a intervenção das agências reguladoras, no que toca aos serviços de acesso à internet, precisa ser equilibrada. “Penso que esse tipo de mercado requer uma atenção diferenciada. Não é o caso de exercer uma regulação tão rigorosa quanto no segmento da telefonia, mas também não é recomendável deixar que o mercado resolva tudo por si mesmo. É preciso definir um modelo adequado, de modo que os serviços remunerem as empresas, mas também mantenham espaço para a concorrência e cumpram sua função social”, considera.