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O ano que a prisão de Lula derrotou o PT

em Especial
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
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O ano que a prisão de Lula derrotou o PT

Criador de diversas narrativas vitoriosas ao longo de 13 anos no poder, mas alvo de graves escândalos de corrupção, o Partido dos Trabalhadores (PT) sofreu o pior revés de sua história no ano de 2018: a prisão do ex-presidente Lula, fato que culminou com a derrota da legenda nas eleições à Presidência da República

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Foto: Getty Images/AFP

Luciana Ribeiro/ANSA

“Foi um ano bastante complicado. O PT teve sua maior derrota simbólica por conta do presidente Lula, que se encontra preso e não pôde concorrer ao Palácio do Planalto e, paralelamente, presenciou a vitória de Jair Bolsonaro”, explicou Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Mackenzie.

Fundado em 10 de fevereiro de 1980 por um grupo de militantes de oposição à Ditadura Militar (1964-1985), o partido de esquerda deixou as eleições deste ano com menos representantes, rachado e sedento por um novo rumo para “corrigir problemas” que “magoaram, ofenderam e decepcionaram a sociedade”.

Segundo Prando, desde 1989, o PT, especialmente Lula, disputou eleições no Brasil de forma direta ou indiretamente, e por isso “o ex-presidente é sem dúvida nenhuma a figura com a imagem política mais consolidada da nova república. Isso é inegável porque quando você pensa no Lula pensa no PT e vice-versa”.

Desta forma, as eleições sem o petista reforçaram um cenário político desfavorável ao partido, principalmente depois do atentado com faca contra o então candidato do PSL, Jair Bolsonaro. No entanto, a derrocada já teve início em 2016, quando Dilma Rousseff, herdeira política de Lula, foi condenada por crime de responsabilidade por delito fiscal e sofreu um impeachment, processo usado pela segunda vez desde a redemocratização.

A primeira mulher eleita presidente do país foi a responsável por encerrar um ciclo de 13 anos do PT no poder. Entretanto, a prisão de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, no dia 7 de abril, apenas selou a forte queda da legenda. “Em 2016, o PT teve um resultado muito ruim em termos eleitorais porque o partido teve a diminuição de cerca de 60% das prefeituras municipais. Em contrapartida, em 2018, o PT conseguiu fazer a maior bancada na Câmara[…]. É uma queda, mas não é possível afirmar que o PT está acabado”, ressaltou o professor do Mackenzie.

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Foto: Reprodução/Internet

Lula durante depoimento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

Em uma escalada de derrotas, o então candidato da legenda, Fernando Haddad, sofreu outra esmagadora para o partido nas eleições presidenciais realizadas em outubro ao ser vencido por Bolsonaro. Para o cientista político, isso ocorreu em decorrência da demora de Lula para nomear o ex-prefeito de São Paulo como seu substituto. “Foi uma estratégia equivocada”.

“A demora é uma característica personalista do Lula de se achar imbatível”, acrescentou o cientista político, ressaltando que o ex-presidente esperava que “as ruas clamariam [por ele] e a sociedade brasileira sairia em sua defesa, mas isso não aconteceu”. O PT foi responsável por muitas narrativas vitoriosas, como por exemplo a batizada de “herança maldita”, criada na primeira vitória de Lula, em 2002, para dizer que todos os problemas do Brasil derivavam do governo do então presidente Fernando Henrique.

No entanto, em 2018, o slogan “Haddad é Lula” foi se tornando prejudicial, assim como “O Brasil Feliz de Novo”. A direção do PT e as lideranças do partido perderam a dimensão da disputa política, inclusive subestimando Bolsonaro, que utilizou as redes sociais para construir uma proximidade maior com seu eleitorado. O povo, afetado pela crise econômica, o alto índice de desemprego e os escândalos de corrupção, maximizou a imagem desgastada do PT e clamou por mudanças, que, na ocasião, era Bolsonaro a opção.

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Foto: Reprodução/Internet

Lula na sede da Polícia Federal, em Curituba.

Mesmo com uma disputa pautada pelas declarações polêmicas neofascistas da extrema-direita, o PT não conseguiu voltar ao poder e herdou a necessidade de um debate mais estratégico em torno das lições que devem ser retiradas da derrota. “É indiscutível que Lula é a grande liderança na esquerda brasileira”, mas para Paulo de Tarso Santos, que já foi responsável pelo marketing de campanhas do PT, “o povo não acha o ex-presidente uma vítima”.

Na tentativa de voltar ao protagonismo no cenário político, o partido chegou a convocar reuniões dos diretórios regionais com a intenção de alinhar discursos e estudar estratégias. Mas, de acordo com Prando, o PT não parece estar disposto a fazer a autocrítica, tendo deixado isso claro mesmo depois da derrota.

“Virar a página implica em dois elementos substanciais: permitir que o PT avance sem a imagem do Lula, que foi sufocante nos últimos anos; e como as novas lideranças vão se comportar para permitir que o partido caminhe com novas pautas”, finalizou.

O ano em que os ‘ismos’ voltaram à tona

“O que é fascismo?” Essa foi a pergunta mais feita pelos brasileiros ao Google em 2018.

Lucas Rizzi/ANSA

Após 73 anos do fuzilamento de Benito Mussolini, o regime totalitário que varreu a Europa na primeira metade do século 20 voltou à baila, associado a líderes da direita nacionalista em ascensão pelo mundo.
Do presidente eleito Jair Bolsonaro ao ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, passando pelo americano Donald Trump e pelo mandatário das Filipinas, Rodrigo Duterte, o fascismo foi usado para tentar explicar e entender o sucesso de políticos que, cada um à sua maneira, passeiam por ideais de nacionalismo exacerbado e usam tons ameaçadores contra a imprensa e opositores. Mas esse não é o único “ismo” que ganhou as manchetes em 2018.
No leste europeu, governos de países como Polônia e Hungria cavalgaram no medo do comunismo para minar liberdades e a independência judiciária; no Brasil, a bandeira vermelha do comunismo atribuído ao PT foi rechaçada pelos bolsonaristas; na Alemanha, manifestações da extrema direita em Chemnitz reacenderam o alerta para o risco de ressurgimento do nazismo. “É impossível não ver que a falta de uma solução concreta para o gerenciamento da imigração, dos refugiados, da situação demográfica, tem levado a um incremento do medo”, diz Elena Lazarou, professora da FGV, acrescentando, contudo, que os extremistas ainda representam uma “minoria.
O fenômeno da ascensão da extrema direita no mundo está relacionado a um “ismo” que abarca todas as tendências e ganha força na medida em que a globalização se mostra nociva para uma classe média frustrada e estagnada: o populismo. Esse cenário já vinha se desenhando na União Europeia havia alguns anos e ganhou impulso inédito em junho, quando o partido antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S) se uniu à ultranacionalista Liga para governar a Itália, quarta maior economia do bloco e a terceira da zona do euro.
Governos populistas já tinham ascendido ao poder em países do leste europeu, como Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia, mas nunca haviam conquistado uma nação tão grande e importante dentro da UE. Salvini já foi definido até como fascista por rivais internos e personalidades internacionais que vão de ministros europeus à atriz americana Pamela Anderson. “Já existe na Europa um grande debate sobre os países do leste, Hungria, Polônia, Eslováquia, mas a Itália, também por ser um país tradicional, membro da União Europeia desde o início, e pelo tamanho de sua economia, tem um potencial de influência maior”, explica Lazarou.
Além da experiência italiana, o populismo anti-migrantes e eurocético deu combustível para manifestações multitudinárias na Alemanha e colocou um partido de ultradireita, o Vox, em um Parlamento regional espanhol, na Andaluzia, pela primeira vez desde o fim do franquismo. Já há também quem encontre relação entre esse fenômeno e o movimento dos “coletes amarelos”, que colocou o presidente da França, Emmanuel Macron, contra as cordas no fim deste ano. Para Lazarou, o populismo engloba grupos e partidos que não necessariamente compartilham as mesmas ideias, tanto à direita quanto à esquerda.
Mas, segundo a professora, há alguns pontos em comum, no campo conservador: “nacionalismo na crise migratória, reação nacionalista ao controle das finanças públicas pela UE e o discurso de que a globalização foi usada de maneira desigual para fortalecer os ricos e enfraquecer os pobres”. Fora das fronteiras europeias, Bolsonaro surfou no desencanto da população com a classe política tradicional – embora ele mesmo seja um membro dessa casta, ainda que do baixo clero – e levou o populismo à vitória na maior nação do Hemisfério Sul.
Ao norte, o governo do republicano Trump fez surgir uma nova geração de políticos democratas abertamente socialistas, em um país onde esse termo era visto com ojeriza até pouco tempo atrás. Mais um sinal de que, em 2018, os termos do passado foram a nova moda da política.