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Interiorização de venezuelanos para São Paulo e Manaus começa em abril

em Especial
terça-feira, 20 de março de 2018
UNHCR/Boris Heger/ONU

Interiorização de venezuelanos para São Paulo e Manaus começa em abril

O processo de interiorização dos imigrantes venezuelanos que estão em Roraima começa no mês de abril, com o transporte de parte deles para as cidades de São Paulo e Manaus, informou a Casa Civil do governo estadual

UNHCR/Boris Heger/ONU

Em busca de uma vida melhor, milhares de venezuelanos têm cruzado as fronteiras com os países vizinhos.

Camila Boehm/Agência Brasil

O objetivo é levá-los a outros estados, onde tenham melhor estrutura para se estabelecer e aliviar a superlotação em Roraima, que faz fronteira com a Venezuela e se tornou uma das principais rotas de entrada do país para os imigrantes, especialmente pela cidade de Pacaraima.

Na cidade de São Paulo, foram disponibilizadas 300 vagas para alocar os imigrantes venezuelanos. Inicialmente, no plano piloto, a capital receberá 186 pessoas – 115 homens e 71 mulheres – em nove equipamentos municipais, quatro deles especializados em migrantes, e cinco centros de acolhida para pessoas em situação de rua. Haverá também 180 vagas para Manaus. A interiorização dos venezuelanos pelo país é inevitável, independentemente das ações do governo federal, devido à sobrecarga enfrentada em Roraima, segundo avaliação da ONG Conectas, que acompanha a situação dessas pessoas.

“São homens e mulheres solteiros [que irão para São Paulo]. Preferimos começar com esse perfil para testar. Queremos fazer isso da forma mais organizada e humanizada possível para avaliar a possibilidade de famílias e crianças, mas queremos ser bastante responsáveis no primeiro momento para aprender com essa experiência”, disse o secretário municipal de Assistência Social de São Paulo, Filipe Sabará.

Prefeitura de Manaus articula novas ações para atender indígenas venezuelanos que chegam à cidade.Apesar de a Colômbia atrair a maior parte daqueles que deixam a Venezuela, tanto por fazer fronteira quanto por ter a mesma língua, o Brasil tem se mostrado um destino residual. De acordo com a Conectas, 600 mil venezuelanos entraram na Colômbia nesse último período de crise, mas o país tem fechado a fronteira em alguns momentos e passou a exigir passaporte dos imigrantes.

No Brasil, cerca de 32 mil venezuelanos já pediram refúgio ou residência temporária desde 2015, quando começou o fluxo migratório para o país, informou a Casa Civil. Mas o fluxo na fronteira é ainda maior, já que muitos deles voltam à Venezuela para buscar familiares ou para levar dinheiro para quem ficou. Por dia, entram de 600 a 800 venezuelanos no Brasil, mas eles não necessariamente se estabeleceram aqui.

O venezuelano Carlos Daniel Escalona Barroso, que trabalha atualmente na cozinha de um hotel na capital paulista, chegou ao país em junho de 2016 e já entrou com pedido de refúgio. Ele chegou a Manaus de ônibus e depois pegou um voo para Fortaleza, onde ficou por seis meses até ir para São Paulo. Após pedir refúgio ao Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), recebeu um protocolo, que pode ser usado como documento principal para tirar Carteira de Trabalho, para alugar imóveis e até para abrir conta em banco.

Milhares de venezuelanos se aglomeram para atravessar a fronteira com a Colômbia pela ponte internacional Simón Bolívar.Na Venezuela, Barroso sofreu ameaças e até um sequestro por ter recusado propina em seu cargo, em um governo estadual. “Chegaram oferecendo uma propina, eu não aceitei e aí começaram as consequências. Chegou um ponto em que fui sequestrado, minha família foi ameaçada e eu não podia ficar sempre na mesma casa. Me levaram, apanhei na cabeça, nas costas. Depois me soltaram, mandaram correr e dispararam tiros. Fiquei muito mal emocionalmente”, contou. Foi quando decidiu sair do país.

A maioria (72%) dos imigrantes venezuelanos em Roraima está na faixa etária entre 20 e 39 anos; 78% têm nível educacional equivalente ao ensino médio completo e 32% têm curso superior ou pós-graduação. Os dados são de pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) na Acnur (Agência da ONU para Refugiados), que mostrou que, devido às características dos imigrantes, esse é um contingente com grande potencial de ser “plenamente inserido na sociedade e no mercado de trabalho brasileiro”.

A pesquisa mostrou ainda que políticas de interiorização têm ampla aceitação entre os imigrantes venezuelanos em Roraima – 77% dos entrevistados disseram que aceitariam se deslocar para outro estado caso o governo brasileiro desse apoio. A oferta de trabalho (80%) em outro lugar do país é a principal demanda para aceitar o deslocamento, seguida de ajuda econômica (11,2%) e auxílio-moradia (5,2%). Outro dado marcante é que somente 25% deles pretendem voltar para a Venezuela. Daqueles que pensam em voltar, a maioria (47%) estima um prazo superior a dois anos, mas condicionam o retorno à melhoria das condições econômicas (61%).

Para inserir os imigrantes venezuelanos no mercado de trabalho paulistano, o secretário municipal de Assistência Social contou que há um programa de ensino da língua portuguesa e parcerias para facilitar o contato entre candidatos e empresas. A coordenadora de Políticas para Imigrantes da Secretaria de Direitos Humanos, Andrea Zamur, lembrou que a cidade foi a primeira a implementar o Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante (Crai), em 2014, que é um espaço onde os imigrantes têm suas demandas ouvidas e são encaminhados para espaços onde seus pedidos poderão ser resolvidos.

Interiorizacao 2 temporarioNo contexto federal, neste mês, a MP 823 destinou verba de R$ 190 milhões ao Ministério da Defesa para assistência emergencial aos venezuelanos. De acordo com o ministério, a verba será aplicada em programas de assistência aos refugiados em Roraima e para melhorar as ações de controle na fronteira.

Os refugiados, segundo os primeiros acordos internacionais que tratam do assunto (a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967), são pessoas que escaparam de conflitos armados ou perseguições em seu país de origem e, para garantir a segurança, cruzaram fronteiras internacionais. Como é muito perigoso que voltem ao seu país, elas precisam de refúgio em outro lugar, onde possam ter os direitos básicos garantidos.

Já a definição de migrantes, inclui aqueles que escolhem se deslocar, principalmente, para melhorar sua vida, buscar oportunidades de trabalho e educação ou procurar viver com parentes que moram fora do país de origem. No entanto, o contexto mundial trouxe a ocorrência de migrações forçadas, em que as pessoas saem de seus países não por causa de uma ameaça direta de perseguição ou morte, mas por uma situação generalizada de violação de direitos, como a fome e o desabastecimento de medicamentos, além de grave crise econômica.

Considerando um novo cenário de fuga de um país de origem, a Declaração de Cartagena (1984) incorporou a definição ampliada de refúgio, o que incluiria entre os refugiados as pessoas que tenham saído de seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade foi ameaçada pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.

Para Camila Assano, da Conectas, a entrada em vigor da nova Lei de Migração (13.445/2017) traz novas possibilidades de regularização migratória, além da concessão de refúgio, como autorização de residência para acolhida humanitária, mas a falta da regulamentação da lei (com detalhamento sobre quem pode pedir, como pedir e como essa residência se daria) inviabiliza que esse mecanismo seja usado atualmente com os venezuelanos.

“A nova lei é inovadora e muito avançada porque abre possibilidades de regularização. Uma delas é a autorização de residência por razões humanitárias. Só que essa residência ainda não foi regulamentada, então ela não está sendo aplicada em princípio, até onde sabemos, a nenhuma nacionalidade. A regulamentação é um ato simples, feito por meio de portaria ministerial, então o Brasil só não regulamenta porque não há vontade política”, disse Camila.

Uma das regulamentações necessárias, no entendimento da Conectas, é que, quem tiver concedida a residência por razões humanitárias, tenha a garantia da não devolução, assim como ocorre na concessão de refúgio, que é um dos princípios internacionais humanitários. O outro ponto é especificar, por exemplo, quais os documentos necessários para esse pedido. “Por ser de razão humanitária, as exigências documentais deveriam ser baixas, entendendo que a pessoa está fugindo de uma situação já de distúrbio”, afirmou.