Evento sobre histórias em quadrinhos traz novas pesquisas na área
Onomatopeias, balões de diálogo e desenhos sequenciais, convencionalmente delimitados por quadrados, são características clássicas das histórias em quadrinhos (HQs)
Professor Waldomiro Vergueiro, do Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA/USP. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Maria Laura López/Jornal da USP
O gênero literário cresceu no Brasil durante os últimos anos, e os principais estudiosos do assunto por aqui criaram um evento para debater as pesquisas que envolvem o tema. Eles vão promover a 6ª edição das Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos, que começa hoje (21) e vai até sexta-feira (23), na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
“As jornadas são divididas em apresentações de trabalhos durante o dia e palestras à noite”, conta o professor Waldomiro Vergueiro, do Observatório de HQ da ECA/USP, coordenador do evento. “Tivemos cerca de 280 trabalhos inscritos para as mesas”. A palestra de abertura da jornada, hoje, às 18h20, será proferida pela professora Carol Tilley, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Ela vai analisar as ideias do psiquiatra alemão Fredric Wertham (1895-1981), um dos mais ferozes críticos das histórias em quadrinhos, que considerava prejudiciais às crianças.
“Eu publiquei um artigo explicando como Wertham falsificou algumas das evidências usadas em seu livro ‘Seduction of the Innocent’, publicado em 1954”, disse Carol Tilley. Com isso, ela espera ajudar a eliminar essa visão negativa das HQ e promover um maior engajamento de educadores com essa causa. Já o professor da UFRJ, Nobuyoshi Chinen, membro do Observatório de HQ da ECA e um dos organizadores da jornada, falará sobre a mudança do protagonismo do negro nas histórias em quadrinhos ao longo do tempo.
“Defendi uma tese de doutorado em 2013 que analisava a representação dos negros nas histórias em quadrinhos. O meu recorte foi desde 1869 até 2011. O mais legal foi ver a mudança ocorrida nessa representação, do primeiro ao último personagem. O primeiro era um escravo que quase não aparecia na história, enquanto o último era uma deusa mulher negra”, conta Chinen.
A palestra de Chinen ocorre amanhã (22), às 18h, e terá a participação do quadrinista e professor da Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP, Marcelo D’Salete. A palestra de encerramento, na sexta-feira (23), às 18h, será feita por José Campo, o diretor da Fundação Calicomix, da Colômbia,que falará sobre o momento vivido pelo gênero na América Latina.
Os quadrinhos surgiram em tiras de jornais nos Estados Unidos, na virada do século 19 para o 20. O primeiro personagem a fazer sucesso foi o ‘Yellow Kid’, de Richard Outcault, lançado em 1896. No Brasil, o pioneiro no gênero foi Angelo Agostini, cartunista italiano radicado no País, que criou ‘As Aventuras de Nhô Quim’ em 1869 – quase três décadas antes do personagem de Outcault.
A novidade se espalhou pelo mundo. Europa e Japão despontaram como terrenos férteis para o gênero, que teve um forte crescimento no início do século 20. Naquela época também, as tirinhas começaram a se tornar indispensáveis nos jornais diários. Em meio a isso, George Harriman lançou Krazy Kat, inaugurando as histórias com animais e abrindo caminho para personagens famosos como o Gato Félix, de Pat Sullivan, e Mickey Mouse, de Walt Disney.
A década de 30 veio para consolidar a aventura como tema principal das HQs. O sucesso dessas histórias gerou as revistas exclusivamente dedicadas aos quadrinhos, o que levou ao surgimento de super-heróis como Super-Homem e Batman, da DC Comics. As tramas passaram a conter mais violência na medida em que a II Guerra Mundial entrava em ebulição. Surgiram então personagens célebres como Capitão Marvel, Capitão América e toda uma legião de justiceiros que lutavam por paz e liberdade.
O excesso da violência e o caráter psicótico de alguns quadrinhos, no entanto, passaram a incomodar certas pessoas. Pais, educadores e pesquisadores – entre eles, o psiquiatra Fredric Wertham – levantaram a voz contra os quadrinhos e alguns deles chegaram até a ser censurados por supostamente influenciarem negativamente os jovens. A recuperação do mercado de heróis aconteceu na década de 60 e se deveu, principalmente, à criação de personagens com características mais humanas e filosóficas, até com alguns dramas psicológicos e problemas cotidianos. São dessa época o Homem-Aranha e o Quarteto Fantástico, ambos criados pela Marvel.
Ainda no século 20, grandes nomes do universo das histórias em quadrinhos surgiram nos Estados Unidos, como Frank Miller, criador de Batman, o Cavaleiro das Trevas, e Alex Ross, que ilustrou clássicos como Super Homem – Paz na Terra. Ross foi o primeiro desenhista a ganhar tanta fama quanto os roteiristas das HQs. No Brasil, a primeira revista só com histórias em quadrinhos foi ‘O Tico-Tico’, de 1905. Embora a maioria dos quadrinhos publicados nessa revista viesse do exterior, vários talentos brasileiros foram revelados por ela. Sua hegemonia só foi quebrada quando o Suplemento Juvenil, de Adolfo Aizen, entrou no mercado, em 1930, introduzindo as histórias americanas.
Para enfrentar a forte concorrência dos heróis estadunidenses, personagens de novelas radiofônicas foram adaptados para os quadrinhos. Foi o caso de ‘O Vingador’, de P. Amaral e Fernando Silva, e de ‘Jerônimo, o Herói do Sertão’, de Moisés Weltman e Edmundo Rodrigues. A partir da década de 60, as publicações e os personagens brasileiros se multiplicaram. Isso graças a artistas como Perotti, Ziraldo, Primaggio e Maurício de Sousa. Mas os grandes jornais brasileiros só passaram a inserir trabalhos de autores nacionais em suas tirinhas nos anos 80.
No final do século 20 a Editora Abril editava as principais revistas de heróis da Marvel, da DC Comics e da Image, além, claro, dos tradicionais personagens de Walt Disney. Antes, na década de 1960, os heróis Marvel e DC eram publicados pela Ebal. A Editora Globo publicou com sucesso os gibis da Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, e várias outras editoras menores divulgavam outros materiais.
“O cenário brasileiro atual se encontra em um dos melhores momentos em termos de produção”, afirma o professor Waldomiro Vergueiro, da ECA. Segundo ele, isso se deve não só às leis de incentivo, mas também em razão dos prêmios que agora incluem o gênero e, principalmente, dos sistemas de financiamento coletivo, que têm estimulado a publicação autônoma. “A triagem do material é feita pelo próprio público, que aceita ou não financiar determinada história. Assim a qualidade das publicações não parece diminuir.”
Nhô Quim e o cão.
Vergueiro se diz otimista. “Acredito que o crescente interesse da população gera uma certa conscientização do governo. Os professores estão adotando cada vez mais os quadrinhos nos seus materiais de aula e o cinema continua fazendo grandes adaptações das histórias. Isso tudo me faz crer que a tendência é melhorar, pelo menos a curto prazo”.