Valéria Dias/Jornal da USP – Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens
Entusiasmado, cheio de energia, deprimido, ansioso, medroso ou corajoso? Como você definiria o comportamento do seu cão? Um estudo desenvolvido por pesquisadores brasileiros e do Reino Unido torna mais fácil a tarefa de classificar o temperamento do melhor amigo de homens e mulheres. O trabalho mostra a necessidade de se levar em conta os aspectos culturais dos locais onde os questionários de avaliação do temperamento desses animais serão aplicados.
Para avaliar os animais, os pesquisadores usaram um questionário com 21 perguntas, desenvolvido pelo professor Daniel Mills, da Universidade de Lincoln, para estudar a sensibilidade de cães (tendência a alta energia/vitalidade versus depressão e tendência a medo/ansiedade versus coragem/calma). Até então, muitas pessoas assumiam que bastava traduzir uma escala desenvolvida em outro país e usá-la, mas o estudo mostra que é necessário ir além.
“Somente a adaptação cultural e a validação estatística podem garantir que o instrumento usado é, de fato, apropriado”, ressalta a professora Carine. Carine redireciona, desde 2006, suas pesquisas para uma segunda área de estudo, a Psicologia Experimental, com ênfase em Etologia, tendo um segundo mestrado e um segundo doutorado pelo Instituto de Psicologia da USP.
Após a tradução para a língua portuguesa e a adaptação à cultura brasileira, os pesquisadores estabeleceram uma nova versão do instrumento, apropriada para ser utilizada no Brasil. A pesquisa ficou disponível on-line de novembro de 2017 a dezembro de 2018. Os tutores foram convidados, por meio de várias fontes, como redes sociais e anúncios, a responderam as questões. Entre elas, estão: “Seu cão fica bastante excitado quando está prestes a sair para passear (ex. quando vê sua guia, ou quando escuta “passear, etc.)”; “Seu cão fica assustado com barulhos de televisão ou rádio”; e “Seu cão parece ter medo do aspirador de pó ou qualquer outro aparelho doméstico”.
Os tutores precisavam marcar as opções “Concordo totalmente”, “Concordo razoavelmente”, “Concordo parcialmente/ Discordo parcialmente”, “Discordo razoavelmente”, “Discordo totalmente” ou “Não se aplica”. “Temos uma amostra de mais de 1.700 pares tutor-cão”, conta a professora Carine. Dentre os resultados, os cientistas observaram que, no Brasil, os cães de tutores mulheres, os castrados, e os que vivem sem a companhia de outro cachorro são mais medrosos.
Eles também constataram que os cães mais velhos apresentam menos energia e um risco potencial maior de desenvolver depressão. No entanto, a tendência a ser mais entusiasmado e cheio de energia é mais relatada em animais que vivem no ambiente interno da casa (e não no quintal ou na garagem) – o que é uma regra no Reino Unido, mas menos comum no Brasil. .
Um outro resultado que chamou a atenção dos pesquisadores é que os cães sem raça definida são, ao mesmo tempo, mais medrosos, mas também mais cheios de energia e entusiasmados do que os cães de raça. A explicação para isso talvez seja um possível passado nas ruas ou em abrigos onde, naturalmente, o ambiente é muito mais desafiador e pode gerar muito mais estresse para esses animais.
Ela pondera sobre a importância de se ter em mente que esses resultados foram baseados numa amostra de pessoas que responderam a um questionário disponibilizado via internet, e que isso já determina um certo perfil. A professora Carine enfatiza que o estudo apresenta implicações teóricas e práticas.
“O Brasil tem uma população enorme de cães. Há mais cães do que crianças nos lares brasileiros, de acordo com estatísticas oficiais. Uma parcela considerável dessa população é de cães sem raça definida, muitos já viveram nas ruas. Esse perfil particular requer estudos específicos para compreendermos as tendências comportamentais dos cães no nosso país”, avalia.
Para a bióloga Natália de Souza Albuquerque, pesquisadora pós-doc do Instituto de Psicologia da USP e segunda autora do artigo, o instrumento de avaliação poderá ainda ser útil em pesquisas científicas e na prática dos consultórios veterinários. “Possibilita uma melhor compreensão do comportamento e da cognição animal, também permite que criemos formas mais positivas e eficientes de interagir com esses animais e, assim, garantir seu bem-estar e boa qualidade de vida”.
Para o professor Daniel Mills, da Universidade de Lincoln, e coautor do estudo, se quisermos entender o mundo emocional de animais como os cães, é importante termos instrumentos que possam ser usados em diferentes culturas.
“Estamos no momento de ver mais claramente quais os fatores que afetam o temperamento dos cães e o que há de semelhanças e diferenças entre diferentes países e culturas, que aspectos são únicos em cada caso. Infelizmente, a popularidade dos questionários não está vinculada à sua validade. Esta pesquisa define um novo padrão de avaliação, que garante dados com qualidade para estudarmos o temperamento dos cães”, destaca Mills.