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Dalva de Oliveira

em Especial
sexta-feira, 30 de junho de 2017
Divulgação

Dalva de Oliveira

Cem anos da Rainha da Voz

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Dalva de Oliveira, coroada como Rainha do Rádio.

Declarações de amor

O Brasil celebra em 2017 o centenário do nascimento daquela que ficou conhecida como uma das vozes mais marcantes da música brasileira: Vicentina de Paula Oliveira, a Dalva de Oliveira. Voz marcante da Era do Rádio, a paulista, ao contrário de muitas das cantoras de sua época, não cresceu ouvindo rádio.

A influência de seu pai, músico que tocava clarinete e saxofone, foi a determinante para seu futuro. Sua formação começou nas serenatas em que ele tocava, como conta o historiador Paulo Henrique de Lima. “É essa música que fala do amor, das coisas simples da vida, isso que fez parte da formação dela. Enquanto outras cantoras cresceram ouvindo rádio, a Dalva não, cresceu ouvindo serenata.”

Dalva perdeu o pai ainda criança, aos oito anos de idade, e a partir de então foi morar com a mãe e as irmãs na capital paulista. Inicialmente, estudou em um internato, mas não se adaptou. “Fiquei desesperada porque não estava acostumada a ficar assim. É a mesma coisa de um passarinho que é preso na gaiola de repente e fica doente. Acho que foi isso, eu fiquei muito mal da vista”, lembrou a cantora em entrevista à Rádio Nacional.

Com uma infecção nos olhos, ela saiu do colégio e passou a ajudar a mãe, que trabalhava como governanta. A família se mudou para o Rio de Janeiro em 1934, e três anos mais tarde Dalva se casou com Herivelto Martins, pai de seus dois filhos e, por anos, companheiro na música.

Música

Ainda na escola, Vicentina, que tinha aulas de piano, foi convidada a viajar com uma trupe. Protegida pela mãe, saiu em turnê com o grupo, que encerrou atividades em Belo Horizonte. Na capital mineira, começou então sua relação com o rádio. A menina, antes chamada Vicentina, ficou conhecida como Dalva, por sugestão da figura materna, que queria um nome “mais artístico” para a filha.

Assim que começou a cantar, amigos a incentivaram a ir para o Rio de Janeiro. Os primeiros registros de Dalva na imprensa datam de 1934, mesmo ano em que se mudou para a, então, capital federal. “Os cronistas já falavam de três coisas que marcaram a vida dela toda: da voz; da forma com que ela cantava, com muita emoção, e da simplicidade dela”, afirma Paulo Henrique Lima.

Enquanto as artistas que faziam sucesso na época cantavam samba, Dalva preferia valsa e fox trot. Com ajuda de Ademar Machado, conseguiu estudar canto com o maestro Paschoal Gambardela, e assim aperfeiçoar seu talento.

Trio de Ouro

Disco do Trio de Ouro.Ao trabalhar no Teatro da Cancela, na zona norte do Rio, conheceu a dupla Preto e Branco, formada por Nilo Chagas e Herivelto Martins. Os dois, mais tarde, se juntariam a ela para formar o Trio de Ouro. “Achava que a dupla estava pobre, e um dia me ocorreu fazer uma experiência com a dupla e a voz da Dalva”, contou Herivelto em entrevista à Rádio Educativa.
Disco do Trio de Ouro.

Marco para a música brasileira, o Trio de Ouro tornou-se sucesso pelas composições, mas chamou atenção por sua voz feminina. “O Trio de Ouro foi a revelação, não só de Herivelto, muito menos do trio. A grande revelação foi a voz da Dalva de Oliveira”, afirma o pesquisador Ricardo Cravo Albin.

Carreira solo

A parceria do Trio de Ouro durou até 1949, quando Dalva e Hervelto se separaram. Naquele ano, Dalva de Oliveira e Vicente de Paiva fizeram uma turnê na Venezuela. Ao voltar para o Brasil, a cantora iniciou sua carreira solo com a gravação da música Tudo Acabado.

Tudo acabado entre nós, já não há mais nada
Tudo acabado entre nós hoje de madrugada
Você chorou e eu chorei, você partiu e eu fiquei
Se você volta outra vez, eu não sei

Dalva de OliveiraO público recebeu muito bem a carreira solo de Dalva, como lembrou o filho dela, Ubiratan Martins, em entrevista à TV Brasil em 2012: “Ela se torna a principal cantora do país, admirada por todos; até pelas concorrentes da época que eram Emilinha e Marlene”.

As músicas de Dalva de Oliveira refletiam sua situação de recém-separada. Herivelto, em uma nova formação do Trio de Ouro – que passou a contar com Noemi Cavalcante –, deu início ao que foi visto como troca de provocações entre o antigo casal. “Herivelto me confidenciou, de maneira discreta, que essa polêmica no começo era um pouco dramática, mas no momento em que começou a vender muitos discos e a fazer com que as músicas, tanto de um quanto de outro, fizessem muito sucesso, foi levemente alimentada pelos dois”, afirma o pesquisador Cravo Albin.

Com as boas vendas de seus discos, Dalva de Oliveira ganhou uma viagem à Europa, e voltou de lá casada com o argentino Tito Climent. Passou então a viver na Argentina, onde ampliou ainda mais seu repertório cantando tangos. Dez anos depois, separou-se e voltou ao Brasil, onde a televisão já fazia sucesso.

Nos anos 1970, casou-se novamente, com um jovem português, chamado Nuno Carpinteiro. Nessa época, ressurgiu no país com a música Bandeira Branca, terceiro lugar no Festival de Carnaval da TV Tupi, reaproximando-se do carnaval popular.

Bandeira branca, amor
Não posso mais…
Pela saudade
Que me invade eu peço paz

Últimos anos

Com as mudanças no mercado fonográfico do Brasil, o fim da carreira de Dalva de Oliveira foi marcado por um desânimo da própria cantora. “Eu agora vejo tudo tão diferente que até eu tenho vontade de me afastar. Se Deus quiser, me afastarei, com saudade, mas quero me afastar”, disse, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som no início da década de 1970. Nos seus últimos anos de vida, consumo de bebidas alcoólicas se tornou mais intenso, e Dalva sentiu, também, o peso do esquecimento pelo grande público. “Ela não vendia mais discos porque tinha envelhecido. Isso é um fato comum, agravado no Brasil pela pouca atenção à memória pública”, lamenta o pesquisador Cravo Albin.

Em 30 de agosto de 1972, o “Rouxinol Brasileiro” se calou. Dalva de Oliveira morreu em um hospital de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. Seu corpo foi velado no Teatro João Caetano, e o cortejo até o cemitério foi acompanhado por uma multidão.

Legado do “Rouxinol Brasileiro”

A importância de Dalva de Oliveira para a Música Popular Brasileira (MPB) é unanimidade entre estudiosos da arte, apesar de não ser muito conhecida pelas novas gerações. “Dentro do quadro musical artístico que a gente vive no Brasil hoje, é muito sério o fator memória, o fator passado, o fator história. Dalva de Oliveira é um dos tipos de nomes no Brasil que deveriam virar nome de livro nas escolas”, afirma Bernardo Martins, cineasta e neto da cantora.

Um dos desejos não realizados por Dalva de Oliveira foi trabalhar com Maria Bethânia, que à época de sua morte, em 1972, ainda estava iniciando a carreira. Seu legado, no entanto, se faz presente na vida de uma das artistas que, atualmente, está entre as mais respeitadas da MPB.

“Toda vez que eu faço um espetáculo de teatro, um show de teatro, eu tenho um repertório que eu obedeço desde a estreia até o último dia da temporada. E normalmente, quando eu volto para minha casa, nos meus dias de folga, eu sempre me pego com o violão cantando músicas não incluídas no repertório de cena. Normalmente, são músicas muito românticas, muito apaixonadas, apenas ligadas ao coração. Essas músicas sempre me são lembradas através de ligações da extraordinária Dalva de Oliveira. A Dalva tinha a coragem, o jeito de cantar num palco que até então eu só tinha coragem, jeito, de cantar em casa”

Maria Bethânia

O compositor João Roberto Kelly lembra a devoção que Dalva de Oliveira tinha ao interpretar suas canções. “Eu costumo comparar Dalva a (Édith) Piaf. São cantoras que põem o coração na música. Não estou comparando o timbre vocal das duas, que era totalmente diferente, mas a maneira de se entregar a uma canção, a uma letra, a um poema. Ambas tinham muito sentimento na voz, parece que choravam com a música ou choravam quando a música era alegre.”

A personalidade de Dalva foi determinante para a sua carreira, lembra o historiador Paulo Henrique de Lima. “A Dalva tinha coragem de cantar o que ela gostava. Ela não se preocupava se o crítico de jornal estava gostando ou não. Ela cantava, cantava aquilo que trazia alento para o coração dela e ela sabia que o público gostava”, afirma. Ela própria colocava o amor como eixo de sua vida, como afirmou em entrevista ao Museu da Imagem e do Som (ABr).