Conceição: “Se eu não praticasse boxe, eu não sei o que seria de mim”
Terceiro medalhista de ouro na Olimpíada do Rio de Janeiro, Robson Conceição deve muito mais do que a conquista da noite da última terça-feira (16) ao esporte. O boxeador afirmou não saber o que seria de seu futuro se não fosse a entrada nos ringues: “Se eu não praticasse boxe, eu não sei o que seria de mim hoje. A violência está demais nas ruas e o boxe educou a minha vida”.
Quando criança, Robson tinha uma má fama entre as crianças do bairro São Caetano, um dos mais humildes da capital baiana. Seu ídolo era um tio famoso no bairro por bater em todo mundo na rua. Enquanto se virava para ajudar a família como dava (ajudou a mãe na feira, foi ajudante de pedreiro, vendeu picolés e até foi “animador de sinaleira”), ele tinha o desejo de ser bom o suficiente para bater em “todo mundo” na rua. Na verdade, o que faltava era o exemplo certo.
Do tio brigão, ele passou a se inspirar nos técnicos que ensinavam que brigar era diferente de lutar e que para lutar bem, era preciso se dedicar. “O esporte pode ser muito educativo. Antes eu queria treinar para brigar na rua. A partir do momento que eu conheci o boxe, minha vida mudou e parei de brigar na rua. Costumam dizer que o boxe é um esporte violento, mas violento eu era antes de conhecer o boxe”, diz.
A mudança dele se mostrou flagrante nos treinos. Depois de começar no boxe aos 13 anos, aos 17 (em 2005) ele já estava treinando na seleção brasileira permanente do esporte. “Vimos que ele era um atleta que gostava de treinar. Treinava todo dia, sem cansar, era longilíneo e duro. Sabíamos que tinha futuro”, diz José Carlos Barros, um dos técnicos. Os resultados logo começaram a aparecer e Robson chegou a duas olimpíadas.
Em Pequim (2008), perdeu para o chinês Li Yang na primeira fase. Em Londres (2012), foi derrotado pelo inglês Josh Taylor. Na terceira oportunidade, ele não teria o risco de perder para o lutador da casa. Robson estava em casa. O resultado foi o ouro e a redenção. Para completar a festa, só falta uma coisa: voltar para casa.
Depois que chegar na terra natal, comer o que deseja e descansar, Robson vai pensar no futuro. Uma decisão está em jogo: se profissionaliza e tenta conseguir cinturões no boxe ou continua focando nas olimpíadas como “amador”. Apesar de os Jogos Olímpicos aceitarem profissionais, não há um acordo com boxeadores filiados às grandes federações profissionais do esporte.
“Eu quero descansar, depois me reunir com a Confederação Brasileira e com meu técnico Luiz Dória para conversar”, diz, deixando mistério no ar. Mesmo que continue no boxe amador, sabe que as lutas pode ser mais duras em 2020: “Eu acho que a olimpíada vai ser melhor, porque a cada ano o boxe está numa evolução e com os profissionais as lutas vão ser bastante difíceis. O negócio vai ser treinar e lutar com cada vez mais determinação para fazer um espetáculo em cima dos ringues”.
Conceição ganha ouro no Rio depois de fracassos em Pequim e Londres
Robson Conceição tomou muita porrada até se tornar campeão olímpico na Rio 2016 – tanto dentro quanto fora dos ringues. Um dos golpes mais fortes sofrido pelo mais novo medalhista de ouro do peso pena (até 60kg) veio em 2011, na luta com o fenômeno ucraniano Vasyl Lomachenko pelas oitavas de final do Mundial de Baku.
Estrela da Associação Internacional de Boxe Amador (Aiba), duas vezes campeão do mundo e da Olimpíada e, na época, o melhor atleta peso pena da modalidade, Lomachenko estava invicto há seis anos. Robson foi dormir pensando nas quartas de final e acordou eliminado.
“Foi o momento mais feliz e mais triste da minha carreira. Eu tinha vencido a luta por 20 a 19, mas reverteram o resultado por debaixo dos panos. Quando fui para a pesagem, de manhã cedo, recebi a notícia de que tinha sido punido injustamente por um golpe baixo e inverteram o resultado. O ucraniano venceu por 21 a 20”, diz o brasileiro.
Ele poderia ter acusado o golpe depois de ser eliminado de dois Jogos Olímpicos – de 2008 e de 2012 – logo em seu combate de estreia. Mas, em vez de se deixar desnortear pelos fracassos, o boxeador decidiu que ninguém tiraria o ouro dele no Rio de Janeiro, em 2016. “Ele sofreu muito. Ninguém deu valor para ele quando ele perdeu na primeira. Hoje, ele é campeão olímpico e não conseguiu esse título do dia para a noite”, afirma Mateus Alves, um dos treinadores de Robson.
A trajetória do brasileiro até o título olímpico é muito parecida com o seu plano para a luta “mais difícil de sua vida”: “era tomar um golpe e dar três ou quatro”, disse. Para cada golpe que levou neste caminho, fez questão de revidar com resultados expressivos.
“O cara é duas vezes medalhista mundial, foi a quatro campeonatos mundiais, cinco Jogos Pan-Americanos e tem mais de 250 lutas. O Robson fez um campeonato incontestável, dominou todas suas lutas. Mostrou jogo de golpe, força e rapidez e vontade de ser campeão. Isso é para coroar o esforço dele”, revela Mateus Alves.
“No meu início no boxe, eu fiz umas dez lutas e perdi todas. Se eu tivesse desistido, hoje eu não seria campeão olímpico”, lembra Robson, que começou no esporte meio que na base do improviso (EBC).