As empresas precisam “sair do armário”
O engajamento às causas sociais não é mais uma questão de escolha, é questão de sobrevivência às empresas
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Pedro Teixeira e Borges (*)
O decreto de Donald Trump que proibiu os imigrantes de sete nacionalidades a entrar nos EUA acelerou um movimento, o qual pensamos há tempos. Vemos as empresas apoiarem projetos sociais em suas comunidades do entorno, desenvolverem e investirem alto numa gestão cada vez mais responsável na mitigação dos seus impactos sociais, ambientais e econômicos, assumirem as palavras sustentabilidade e transparência como valores, mas evitarem se posicionar publicamente sobre causas que mobilizam a sociedade, relacionadas às dimensões de seus territórios de negócios, numa ilusão de poupar a reputação e não se arriscar na polifonia das redes.
O bônus no decreto de Trump
Tomamos emprestada a expressão que se tornou conhecida popularmente na definição de escolhas, de optar por um lado do muro. As empresas precisam mesmo “sair do armário”. E, se a maioria, como nós, acha que o diabo vestirá Trump nestes próximos quatro anos, podemos destacar um bônus com a história do decreto. Pela primeira vez, vimos o Vale do Silício coletivamente se engajar em uma grande mobilização por uma causa, manifestar seu repúdio contra um dos primeiros atos de um presidente recém eleito. Seus CEOs publicaram artigos, convocaram entrevistas, usaram seus canais e redes, interagiram com seus seguidores, geraram insights e influenciaram na discussão e contestação da medida. É algo inédito que nos leva a uma boa reflexão sobre o impressionante contexto polifônico dos dias atuais.
Nós até entendemos que a maioria das organizações se sente insegura para incursionar em temáticas que envolvem paradigmas maiores, como as questões raciais, o movimento LGBT, o ativismo feminino, as violações dos direitos humanos, mas não há mais como silenciar. As redes clamam por um posicionamento, e diariamente vemos posts sobre estes temas envolvendo empresas. Se criamos alternativas ao modelo comunicacional de broadcasting, com novos e poderosos centros emissores definindo o agenda setting, tecendo os nós do tecido social e redistribuindo o fluxo, é natural que devamos pesquisar a relevância temática e se engajar nas mensagens emitidas.
A rede não é diferente do mundo real. E um bom exemplo é chegarmos a uma festa, encontrar conhecidos, e começar uma conversa simplesmente se vangloriando de feitos próprios. Isto levará seus amigos e conhecidos a considerá-lo impertinente, ou mesmo a saírem de fininho para buscar outras pessoas, digamos, mais interessantes. Muitas empresas, como a Netflix, Boticário, Natura, Amil já perceberam isso. Mudaram. Escutaram. Analisaram e entenderam a importância da conversa. Definiram seu posicionamento a partir de suas autenticidades de marca, e se destacaram.
A Netflix, vejamos, é um case, com as interações que faz na rede em comentários pra lá de polêmicos. Reparem não só em seus posts, mas nas respostas a comentários agressivos, preconceituosos e insinuantes. São leves, por muitas vezes engraçados, perspicazes quase sempre. Vemos então uma marca pronta para um bom bate-papo, antenada com o mundo em que está inserida, propositiva e inteligente nas bandeiras que ergue ou se vê envolvida. E aí vem a pergunta básica: para que servem as agências, consultorias e equipes de comunicação, de conteúdo ou marketing digital, senão para pensar como podem participar destas interações?
As empresas precisam entrar na polifonia das redes
De fato, hoje, pode parecer ser mais confortável seguir o caminho de uma espécie de construção permanente de ecofonia (praticamos o neologismo na tentativa de descrever o monossilábico e vazio blábláblá virtual de algumas companhias nas redes). Em síntese, o que queremos dizer é que a busca pela interação acaba se resumindo aos êxitos e métricas da atuação em sustentabilidade, mas na total falta de diálogo 2.0 sobre temáticas sociais que estão no trending topics das discussões e comentários que, direta e indiretamente, envolvem as empresas, seus colaboradores, consumidores, parceiros, a toda a sociedade.
Atualmente, não há como imaginar hoje qualquer ação de comunicação que não esteja embasada em uma escuta ininterrupta sobre o que se conversa na rede. E a maioria das empresas não está fazendo isso, mesmo com seu serviço de monitoramento ativo para caçar todo e qualquer pequeno post em que se tenha citada a sua marca. Só que, infelizmente, a estratégia se baseia em uma identificação e analise limitada do quão este post é positivo, neutro, ou negativo.
Talvez isso alimente a idéia de que a sua marca ou serviço possuem um observatório digital, sem se dar conta que ele atua como um fiel cavaleiro defensor, com exímia lealdade, localizando qualquer difamação nas fronteiras da web para que possa avançar com seu exército anti-crise, sempre que assim achar necessário. Mas isso é pra lá de medieval nestes tempos.
Entrar na conversa é vital
É preciso mapear tendências, as causas sociais, os anseios, ou mesmo aquilo tudo que, muitas vezes, não queremos escutar. E não somente ou especificamente sobre a sua marca, organização, serviço ou produto. Urge entrar na roda de conversa ainda que ela não esteja até mesmo falando sobre sua organização. Mas se o assunto dessa roda virtual interessa, se permite dialogar com as autoridades que o emplacam, é preciso encontrar sua mensagem de como enriquecer e influenciar o debate, e se aproximar dos que o influenciam ali. Se conseguir isso, Bingo! Encontramos a roda mais legal da festa. É com essa gente que vamos papear e opinar. Enfim, somar.
Sobre a medida de Trump, é claro que podemos atribuir ao Google, Microsoft, Apple, Facebook, um engajamento à causa que ultrapassa o terreno da defesa à multipluralidade geográfica de seus colaboradores. Pode haver interesses maiores, mas o que vale é o seu posicionamento, a reflexão e a força que exercem e trazem ao tecido social. E se alguém pensou que o temor maior era uma abrupta queda nas ações destas empresas e, consequentemente, perda de valor das companhias, ledo engano: houve ganho reputacional e muito provavelmente de mercado.E isto é o que podemos falar do time nas redes e do valor que uma causa traz à reputação quando se gere bem a comunicação.
Empresas não são infalíveis, mas não podem ser irresponsáveis
Sinceramente, não há mais retorno às empresas. Interagir em causas relacionadas à dimensão de seus negócios será questão de sobrevivência nos próximos anos. A rede tem uma efervescência de debates e propostas. No Brasil, ainda não há a cultura do boicote, mas caminhamos para isso. As organizações necessitam pensar transparentemente nos territórios que atuam, em como devem participar e construir suas mensagens. Empunhar bandeiras contra preconceitos e discriminações, interagir e somar às discussões.
O silêncio, por vezes, fala mais alto e acaba gerando mais ruídos. Empresas, por exemplo, com produtos de elevados níveis de açúcar precisam debater sobre nutrição e obesidade. É óbvio que há algo a se falar, que a pesquisa e inovação estão ocorrendo, com buscas e soluções a produtos menos calóricos.
É preciso demonstrar engajamento, participação nos debates e envolvimento nas causas, porque disso dependerá o futuro dos negócios. Neste campo, já fazem a diferença aquelas companhias, como a Netflix, que identificam as tendências, que conseguiram se libertar dos medos e receios, e atuar transparentemente neste bioma comunicacional. Uma das coisas mais legais da área de comunicação está em um de seus principais fundamentos como ciência: todos sabem que nada é infalível, mas ninguém perdoa a falta de responsabilidade.
E o silêncio ou fingir que não está acontecendo também caracterizam a irresponsabilidade. Portanto, a dica é: não monitore apenas sua marca na rede, entenda as questões e as demandas da sociedade que envolvem seu negócio, e, afinal, o que você e sua empresa poderão acrescentar a estas narrativas.
(*) – É jornalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sócio fundador da Dostô Mídia e Polifonia, e especialista
em Estratégia Digital (Envolverde).