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Agricultores familiares debatem importância da semente crioula

em Especial
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019
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Agricultores familiares debatem importância da semente crioula

A designação “guardião de sementes”, embora soe incomum para quem não domina temas relativos à agricultura, sintetiza um dos principais conhecimentos dos produtores do semiárido brasileiro

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Foto: Money Times/Reprodução

As sementes crioulas, por serem cultivadas sempre da mesma forma, acabam se adaptando às condições do local.

Letycia Bond/Agência Brasil

Na região, que compreende pouco mais de 1 milhão de km², correspondente a 12% do território, parte da população de 27 milhões de pessoas busca domar a seca com o incremento de técnicas que permitam que o plantio vingue.

Dispostos a cambiar as práticas de cultivo que têm dado certo, cerca de 250 produtores rurais, entre homens e mulheres, se reuniram no V Encontro de Agricultores Experimentadores (V ENAE), em Juazeiro do Norte (CE). Dois dos participantes do evento, organizado pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), com o apoio do BNDES, contaram um pouco de sua relação com o assunto.

O agrônomo Amaury Santos representou a Embrapa em um estudo comparativo entre sementes melhoradas por instituições de pesquisa e sementes crioulas, elaborado com agricultores da Paraíba.

A conclusão, após três anos de análise, foi a de que as crioulas, por serem cultivadas sempre da mesma forma, sem serem submetidas a nenhuma hibridização – incluindo a artificial, em laboratório, como ocorre com a transgênica -, acabam se adaptando às condições do local. Isso cria uma vantagem para elas quanto ao enfrentamento de adversidades como a estiagem, de modo que se desenvolvem com estabilidade.
Trabalhando com sementes crioulas desde 2007, Santos esclareceu que a pesquisa foi uma sugestão dos próprios agricultores, que acabam se tornando protetores da diversidade genética e alimentar, ao preservar uma verdadeira miríade de tipos de sementes. O estudo, financiado com auxílio do CNPq, começou a ser pensado quando o agrônomo teve contato com o projeto Sementes da Paixão, sementes que são guardadas por famílias de agricultores do Cariri paraibano, ao longo de várias gerações.

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Foto: Divulgação/Embrapa

A destruição das sementes prejudicava
os agricultores paraibanos, já que
ignoravam a diversidade da região.

Em outros estados, existem propostas semelhantes, como, por exemplo, as Sementes da Resistência, em Alagoas; as Sementes da Gente, em Minas Gerais; e as Sementes da Fartura, no Piauí. Ao todo, estima-se que estejam ativos, em todo o semiárido brasileiro, mais de 1 mil casas e bancos comunitários de sementes. Desse total, calcula a ASA, 460 receberam apoio do Programa Sementes do Semiárido, estruturado em 2015, pelo então Ministério do Desenvolvimento Social. O perímetro do Cariri da Paraíba abrange 29 municípios e é considerado o mais seco do estado.

Como destacou o geógrafo Bartolomeu Israel de Souza, em sua tese de doutorado Cariri paraibano: ‘Do silêncio do lugar à desertificação’, apresentada na UFRGS, não obstante os solos da região sejam originários de rochas cristalinas, sendo predominantemente rasos e argilosos, têm uma fertilidade variada, que facilita atividades agrícolas.

“Tive a oportunidade de trabalhar com eles [agricultores] três demandas específicas. Uma era dar visibilidade à qualidade das sementes crioulas. No caso, com as Sementes da Paixão. Para isso, fizemos ensaios, testes, comparando variedades crioulas e convencionais – somente convencionais, não transgênicas. Na oportunidade, houve uma política do governo de destruição de sementes. Só que eram sementes de uma variedade única, que é distribuída em todo o semiárido”, explicou Amaury Santos, quanto à pesquisa da Embrapa.

Segundo o agrônomo, que trabalha na Embrapa Tabuleiros Costeiros, em Aracaju, a destruição das sementes prejudicava os agricultores paraibanos, já que ignorava a diversidade da região. “A outra demanda seria em relação a melhorar o processo de produção das sementes, com algumas tecnologias. E, finalmente, a questão de armazenamento e conservação de sementes em um período maior”, disse.

Santos afirmou que as sementes crioulas têm valor para as comunidades de agricultores familiares porque fazem com que eles tenham autonomia. O incentivo vai ao encontro de dados da FAO/ONU, que indicam que mais de 80% dos alimentos do mundo são produzidos por núcleos da agricultura familiar. “A Embrapa atua como parceira deles, juntando nosso conhecimento acadêmico com o conhecimento popular dos agricultores, mas é importante frisar que o protagonismo é deles”, enfatizou.

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Foto: Milton Padovan/Embrapa

Exemplares de sementes crioulas e outras variedades.

Ele alertou que a semente crioula nem sempre tem tido a atenção que merece. “Às vezes, quando você pergunta para o agricultor familiar se ele tem semente crioula e ele fala que não tem. Ele tem, mas diz que não, porque tem vergonha. Porque, em muitos momentos, diziam que isso era um atraso. Então, muitas vezes, ficava com vergonha e até jogava fora, perdia essa semente, que é um grande patrimônio, reconhecido no mundo todo, como patrimônio para toda a humanidade”.

Residente de um assentamento rural na Paraíba, Euzebio Cavalcanti, um dos produtores que integraram o grupo da pesquisa da Embrapa, diz que a iniciativa colaborou para o fortalecimento de sua atuação. “A comunidade passou a perceber com mais carinho o instrumento que tinha. A gente teve essa vitória de fazer com que as pessoas se sentissem mais guardiãs da terra”.

“A Embrapa considerou o diálogo com a comunidade. Antes era só o pesquisador. Com o projeto, pensou-se também em olhar para quem se vai pesquisar, se é só para o agronegócio ou também para a agricultura familiar”, afirmou. De acordo com Amaury Santos, este ano, a Embrapa deve manter três projetos relacionados às sementes crioulas, sendo um na Região Sul, outro em Goiás e um terceiro no semiárido. Todos contarão com o apoio do BNDES.