João Valença (*)
No último mês de maio, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho validou o uso da geolocalização como prova digital em um processo trabalhista em andamento.
No caso em questão, um bancário processava o banco Santander S.A e pedia pelo pagamento de suas horas extras trabalhadas. Por ter sido gerente na época, não estava sujeito ao controle da jornada de trabalho; em razão disso, o banco pediu à 39ª Vara do Trabalho de Estância Velha (RS), cidade em que ocorria o processo trabalhista, a produção de provas por geolocalização.
Apesar dos protestos do bancário, o pedido foi deferido. Ou seja, foi aprovado pelo juízo de primeiro grau. Desse modo, ficou determinado que o bancário deveria informar seu número de telefone e a identificação do aparelho para que, assim, a justiça tivesse acesso à sua geolocalização. Contudo, o bancário impetrou um mandado de segurança já no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS).
O mandado de segurança, ferramenta jurídica que protege direitos líquidos e certos, alegou invasão ao direito de privacidade do bancário. Em contrapartida, o Santander sustentou seu pedido ao informar que a geolocalização seria somente para os horários de trabalho, portanto, a privacidade do bancário não seria invadida. Como resultado, o TRT cassou a decisão de uso da geolocalização e o banco teve que recorrer ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Assim, no TST ficou decidido que a geolocalização poderia, sim, ser prova digital deste processo. O relator do recurso, ministro Amaury Rodrigues, considerou a prova adequada e proporcional. Além disso, destacou que, para a justiça, importava somente a localização do bancário nas horas trabalhadas, não suas conversas e comunicações pelo aparelho celular.
São muitas as implicações dessa decisão. Ela traz à tona importantes questões sobre o equilíbrio entre o direito à privacidade e a necessidade de provar fatos em litígios trabalhistas.
De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais(LGPD), a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet, todas voltadas à proteção de informações pessoais, é possível o acesso a esses dados em processos judiciais. A LGPD, por exemplo, entende que é dispensável o consentimento do titular dos dados em casos de obrigações legais. Por sua vez, o uso da geolocalização pode, sim, ser uma prova digital. Ainda assim, essa permissão levanta questões éticas e legais significativas.
Cada vez mais, as pessoas têm ficado cientes de seus direitos perante a justiça. Mesmo que o monitoramento da localização não viole o sigilo de comunicações, conforme garantido pela Constituição Federal, é esperado que as partes envolvidas em processos judiciais fiquem insatisfeitas.
A corrente vencida no TST, por exemplo, expressou preocupações com a medida. Para eles, o uso da geolocalização como primeira linha de prova poderia violar o direito à intimidade do indivíduo. Além disso, poderia favorecer a banalização desse tipo de prova, que deveria ser considerada subsidiária, aplicada após o uso de outras provas menos invasivas.
Ao mesmo tempo, essa decisão do TST sublinha o uso crescente de tecnologias digitais como ferramentas legítimas de coleta de provas. Por sua vez, isso demonstra a tendência global da integração de medidas tecnológicas no direito. Essa deliberação, deste modo, é relevante por definir mais um precedente importante a respeito do alcance e os limites da utilização de tecnologias, seja em litígios trabalhistas ou demais ações judiciais.
Assim, junta-se às outras decisões similares e pode influenciar futuros casos, além de servir como referência na discussão sobre privacidade em provas digitais. Por fim, cabe à Justiça aplicar as medidas necessárias para resolução do caso, ao passo que respeita os direitos fundamentais das partes envolvidas no processo.
(*) – É advogado e cofundador do VLV Advogados, escritório referência no país na área do Direito Digital (https://www.vlvadvogados.com).