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Arte e Negócios – Opostos ou Complementares?

em Economia da Criatividade
quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Andréa Löfgren (*)

Uma das discussões mais prevalentes na economia criativa é aquela que aborda a tensão entre a arte e o comércio, a criação artística e as limitações impostas pelas necessidades do negócio[1].  Esta ambivalência, já tão discutida no meio acadêmico, também se faz presente em conversas informais com profissionais das mais diversas áreas das indústrias criativas. Há uma conscientização crescente de que o sucesso artístico e comercial só é possível se o artista se tornar um gestor da sua marca e do seu negócio, ou seja, passar a agregar competências gerenciais e administrativas ao seu talento artístico[2].

Este fenômeno pode visto de forma muito clara nas indústrias musicais. A disponibilidade de plataformas e ferramentas digitas e acesso direto ao publico criou a possibilidade de qualquer profissional da música gravar e distribuir a própria música sem a necessidade de intermediação. O músico passou a gerenciar a própria carreira, tornando as competências gerenciais e administrativas fundamentais[3] para o sucesso do artista.

Em termos práticos, o profissional precisa ter conhecimentos, de gestão financeira, tributação e contabilidade, elaboração de contratos, direitos autorais, marketing, mídias sociais e gestão de projetos. Este fenômeno ocorre também em outros ramos da economia criativa, principalmente naqueles onde houve uma democratização da cadeia de produção e de distribuição tais como na literatura, nas artes visuais, nas artes performáticas e na produção cinematográfica[4].

Num primeiro momento a transformação de artista para gestor parece ser muito fácil. Afinal de contas, todos têm acesso a planilhas, ferramentas de gestão de projetos, aplicativos e ferramentas de comunicação. A realidade, no entanto, se mostra um pouco mais complexa. Profissionais iniciantes, autônomos e independentes muitas vezes tem uma compreensão limitada dos aspectos negociais da indústria na qual atuam. Não adianta ter acesso a ferramentas sem entender as complexidades, especificidades e principalmente os riscos do setor.

Além do mais, algumas atividades precisam ser incorporadas no dia a dia do profissional para que este possa definir aonde quer chegar (atividades estratégicas); o que precisa fazer para conseguir alcançar esses objetivos (atividades táticas) e administrar o seu dia a dia (atividades operacionais). Nem todos tem competências de gestão ou competências técnicas na área de administração, deixando estas atividades na mão de amadores ou de pessoas com ética duvidosa.  

Como fazer para adquirir e incorporar e aplicar esses conhecimentos e competências no dia a dia sem que se comprometa a integridade artística? Como transformar processos executados de forma ad hoc e amadores em rotinas de trabalho que permitam o equilíbrio entre a criação artística e o equilíbrio financeiro do artista?

Buscar uma qualificação que dê uma visão geral dos aspectos negociais, legais e operacionais da indústria é fundamental. Existem inúmeros cursos independentes de qualidade excepcional que podem dar uma visão introdutória dos principais aspectos do mercado. Estes conhecimentos serão importantes para que se possam definir os principais processos do dia a dia do artista.  Ao definir estes processos, é muito importante respeitar as dinâmicas do profissional e da sua atividade. Afinal de contas a criação artística não se comporta como uma fábrica de automóveis, portanto não faz sentido desenhar um processo burocrático cheio de regras. Melhor uma planilha que funciona do que um sistema de gestão que ninguém quer usar.  O importante é que o profissional criativo tenha maior controle maior sobre todos os aspectos que garantem a sua sobrevivência e proteja os seus direitos.  Usando as palavras do David Byrne, líder do grupo Talking Heads: “um músico que não cuida do próprio negócio logo não terá mais negócio nenhum”[5].


[1] CAVES, R. E. Creative Industries: Contracts between Art and Commerce. Cambridge: Harvard University Press, 2000.

[2] SCHWETTER, H. From record contract to entrepreneur? Musicians’ Self-Management and the Changing Illusion in the Music Market. Kritika Kultura, 2018. 183-207.

[3] DE MARCHI, L. A destruição criadora da indústria fonográfica brasileira-1999 – 2009: dos discos físicos ao comércio digital de música. Rio de Janeiro: Folio Digital, 2016.

[4] THROSBY, David Throsby. The concentric circles model of the cultural industries, Cultural Trends, 2008, 17:3, pp. 147-164, DOI: 10.1080/09548960802361951

[5] BYRNE, D. How Music Works. New York: Three Rivers Press, 2012. P. 226

(*) Especialista em Processos e Projetos, com mais de vinte anos de experiência em gestão de processos e planejamento operacional. Atuou em empresas de diversos segmentos incluindo consultoria de gestão, telecomunicações, tecnologia da informação, serviços financeiros, óleo & gás, megaeventos, parques temáticos e associações de classe. Hoje é sócia da Gig Flows, uma consultoria de gestão que se dedica exclusivamente ao planejamento estratégico e melhoria de processos para empresas das Indústrias Criativas e do Entretenimento ao vivo. Andréa é advogada formada pela PUC-RJ com MBA pelo IAG PUC-RJ e Master’s Degree em Entertainment Business pela Full Sail University e está finalizando o mestrado profissional em Gestão da Economia Criativa pela ESPM e a pós-graduação em Direito Intelectual pela PUC-RJ.