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Será que o ChatGPT “matou” o Metaverso?

em Destaques
terça-feira, 20 de junho de 2023

Fernando Moulin (*)

Segundo o filósofo Pierre Lévy, o mundo virtual não se contrapõe ao mundo real – mas sim corresponde à sua extensão natural, por possibilitar que transformemos ideias e conceitos apenas vislumbrados em soluções concretas e realidades efetivamente diferentes daquelas que conhecemos agora.

Esse paradoxo aparente, mas que possui enorme sentido, parece ser um dos principais motivos do fascínio que as novas tecnologias despertam nas pessoas em geral, particularmente em uma sociedade cada vez mais digitalizada. Nesse contexto, é comum que inovações ganhem o centro das atenções, e a cada ano temos o “hype” do momento envolvendo a nova solução tecnológica que irá “transformar completamente a realidade que nos cerca”.

O problema é que muitas plataformas e novas soluções se apresentam como tendências e depois, acabam por cair no esquecimento – às vezes simplesmente porque geraram expectativas excessivas enquanto ainda estavam em processo de amadurecimento; outras vezes, por serem pouco úteis na prática – ou até mesmo por serem integradas ou também disruptadas durante novos ciclos de evolução tecnológica.

De acordo com a Gartner, empresa especializada na análise de soluções de tecnologia de mercado, inovações possuem ciclos de desenvolvimento. E, em seus estudos ao longo dos anos, criaram um conceito extremamente útil para entender como esses ciclos funcionam para novas tecnologias e inovações associadas: o conceito de “hype cycle”.

O conceito é uma representação gráfica desenvolvida para ilustrar e comparar a maturidade, adoção e aplicação social de tecnologias ao longo de um ciclo de vida particular. Ele descreve o progresso da evolução da maturidade, volume de adoção e de aplicabilidade tecnológica.

Vejamos o curioso o caso do ChatGPT e das soluções de inteligência artificial em geral. Se no ano passado o assunto era metaverso, em 2023, não há como competir com o protagonismo do ChatGPT nos meios empresariais e artigos de imprensa: a inteligência artificial está no topo das buscas e faz parte de toda e qualquer conversação sobre o futuro do emprego.

Muito além das funcionalidades e impacto na sociedade e na organização de trabalho, o ChatGPT tem movimentado negócios e investimentos. A OpenAI, criadora da tecnologia, transformou-se de uma organização sem fins lucrativos em uma startup unicórnio que fechou um acordo de US$ 10 bilhões com a Microsoft e já possui várias expectativas de rodadas de captação adicionais ainda este ano. Sua integração nativa com as ferramentas da poderosa Microsoft (como o Bing e o Office) fará com que sua rápida adoção em escala planetária seja implacável, provavelmente transformando profundamente um sem-fim de operações e modelos de negócio.

Mas essa mesma tecnologia, ao se tornar pública quando ainda menos madura em 2015-16 foi profundamente criticada, quase foi abandonada e por muito tempo passou longe da excitação generalizada e assombro atuais com seu potencial.

Da mesma forma, o metaverso passou rapidamente da categoria de principal inovação em décadas da tecnologia para ser considerado uma grande decepção e um dreno de investimentos sem perspectiva de retorno. Analisando o conceito de hype cycle e o histórico da IA Generativa, acredito que uma grande injustiça possa estar sendo cometida, simplesmente porque sempre tendemos a exagerar fracassos e acertos nesse ambiente de grandes expectativas pela próxima disrupção tecnológica massiva por vir.

Acredito fortemente que após o boom do ChatGPT e da IA, os próximos anos se encaminham para colocar o metaverso e as aplicações baseadas em realidade virtual em um lugar de maior consolidação – um espaço que, definitivamente, não é mais apenas para gamers.

O uso generalizado ainda pode estar longe, mas muitas empresas, incluindo aquelas nos setores de saúde, educação e varejo, já estão explorando formas de aproveitar seu potencial.

O fato é que a analogia dos impactos de cada tecnologia com o papel e objetivo do hype cycle conceituado pelo Gartner nos faz pensar em como devemos considerar, ponderar, planejar e agir diante do momento e do futuro potencial de cada uma delas. Isso dá um norte para as aplicações na prática, mas também coloca as tecnologias em um lugar menos devocional e mais realista.

Se o virtual consiste, como diz o filósofo, em criar um mundo real diferente do atual com base no que podemos imaginar, não tenho dúvidas em afirmar que apostaria fichas significativas no fato de que essas duas tecnologias ajudarão a moldar uma realidade profundamente diferente da contemporânea em um futuro mais próximo do que por hora conseguimos conceber. Você está se preparando para ser protagonista desse movimento e não sucumbir ao longo da jornada de transformação?

(*) É partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente. E-mail: [email protected].