Marcelo Furtado (*)
Os negócios passaram por dois anos de grandes transformações. A pandemia deu urgência a mudanças que vinham sendo implementadas aos poucos – ou vinham sendo adiadas. Ao mesmo tempo, muitas empresas viram a necessidade de mudar seus modelos de negócios e de gestão de pessoas.
Vivenciamos uma mudança sem precedentes na forma de trabalho. Se eu dissesse a você, em fevereiro de 2020, que seria possível colocar todo o seu time em home office e, ainda assim, manter o negócio funcionando com alta produtividade, é bem possível que você achasse que eu estava louco. E vimos que, sim, é possível.
Além disso, a aceleração da digitalização e da automação de tarefas abriu novas oportunidades de ganho de produtividade e realização do trabalho de forma remota. Fomos obrigados a repensar o trabalho. Agora é hora de repensar o RH das empresas. Tradicionalmente, o trabalho era hierarquizado, burocrático e controlador. Nada mais natural, então, que o RH também fosse assim.
No pós-pandemia, quatro grandes forças fazem com que seja preciso adotar um modelo mais flexível: o aumento da conexão, a automação do trabalho, as mudanças demográficas e o menor custo das transações. Sem me aprofundar muito nessas grandes forças, vou dar um exemplo que conecta dois desses pontos. As mudanças demográficas e o aumento da conexão fazem com que as empresas possam contratar profissionais em várias regiões do país (ou do mundo), mesmo que essas pessoas nunca coloquem os pés no escritório.
Cada vez mais, o que importa é entregar o trabalho – não importa se em um escritório na Faria Lima, em um sítio no interior ou em um parque em uma cidade do interior. Para participar dessa nova realidade do mercado, as empresas precisam, como afirma a McKinsey, ter modelos de negócios criativos, adaptáveis e antifrágeis . Fazer ajustes no tradicional modelo centralizador não funciona: a partir de agora, é preciso mudar o mindset. E isso passa pelo RH.
A transformação digital também é uma realidade na área de Recursos Humanos das empresas. A pandemia fez com que tivéssemos que nos adaptar a uma nova realidade. Como o RH lida com os aspectos mais básicos para a sustentação do ecossistema de negócios, foi preciso fazer novas – e incômodas – perguntas.
Nesse processo, o foco mudou. Controlar o ponto passou a ser menos importante do que garantir que as equipes conversassem com frequência.
Na ausência do contato presencial, precisamos passar a fazer entrevistas em vídeo e adotar softwares para realizar testes de aptidão. O onboarding se digitalizou. Tudo isso é consequência de uma transformação estrutural das empresas, que passaram a adotar um RH Digital. Não se trata apenas de implantar um software para controlar a folha de pagamento, cargos e salários ou as férias. Isso todos já deveriam estar fazendo, por sinal.
O RH Digital vai além e transforma os Recursos Humanos em um agente de mudanças na empresa, com um papel estratégico de aceleração de uma nova cultura. Nessa nova postura, o RH deixa de simplesmente processar a folha de pagamento e passa a analisar dados, definir objetivos e traçar estratégias para o futuro do negócio. O RH Digital assume um posicionamento proativo, em que, a partir da automação de processos, coleta e analisa dados para identificar pontos de melhoria e, de forma ativa, propor soluções para o negócio.
Um estudo realizado pela McKinsey mostra que um RH ágil, flexível e digital aumenta em 20% o nível de engajamento do time. Somado ao uso mais racional dos recursos e à eliminação de burocracias que não agregam valor para o negócio, a digitalização de processos, atividades e relacionamento gera equipes mais felizes e estimula o desenvolvimento de talentos.
Outra vantagem de um RH Digital é a criação de uma mentalidade de melhoria contínua, que está alinhada à necessidade de evolução constante do negócio. O RH tradicional tinha processos “gravados na rocha”, imutáveis – e às vezes incompreensíveis para os colaboradores. De fato, a legislação trabalhista brasileira impõe uma série de regras, mas a digitalização ajuda a desatar esse nó e eliminar os gargalos dos processos.
Quanto mais o RH se torna digital, mais fácil é identificar maneiras de automatizar registros, cadastros e obrigações. Com isso, os profissionais podem se dedicar a criar empresas melhores, em vez de atender exigências burocráticas. Está claro que essa é uma mudança necessária – e que já está acontecendo, quer a empresa queira, quer não queira. A pandemia comprimiu o tempo e trouxe mudanças que talvez demorassem anos para ocorrer.
Foi preciso mudar de mindset para manter o negócio funcionando, e essa mudança de mindset mostrou que é possível fazer o que ninguém imaginava. Quando converso sobre a transformação digital do RH, vejo que existem muitas dúvidas sobre os primeiros passos. Como começar? O que fazer? O mais importante é começar com as pessoas. Elas é que promoverão a mudança, por isso elas precisam estar no centro das atenções.
Não adianta comprar um software de gestão de RH se o time não sabe usá-lo ou se é resistente à mudança. A ordem precisa ser a seguinte:
• Mudar a cultura do negócio para colocar o uso de dados no centro da estratégia e das decisões;
• Modificar os processos de gestão e de operação para aproveitar a nova riqueza trazida pelos dados;
• Corrigir os erros e então automatizar tudo o que for possível. Entretanto, faça isso um passo por vez, para não travar o funcionamento do negócio.
A transformação rumo ao RH Digital depende de mudanças profundas. O dia a dia das pessoas vai mudar – e isso gera desconforto. A gestão precisa estar consciente disso e agir para contornar as resistências à mudança. Para lidar com um mundo cada vez mais digital, esse RH precisa fazer parte do dia a dia. E é por isso que em 2022 o RH Digital será a grande força de transformação dos negócios.
(*) – Administrador de empresas com pós em engenharia financeira pela Poli/USP, é cofundador e CEO da Convenia, primeiro software na nuvem de gestão de departamento pessoal voltado para pequenas e médias empresas (www.convenia.com.br).