Morgana Borssuk (*)
As situações inesperadas trazidas pela pandemia da Covid-19 mudaram o ato de confeccionar contratos. Para tentar evitar que as consequências econômicas produzidas pelo Coronavírus atingissem em cheio o setor imobiliário, parte desses acordos passaram a ser firmados de maneira mais rápida.
Porém, eles começaram a ser formalizados sem o crivo de uma revisão jurídica. Resultado: o que deveria se apresentar como um entendimento claro, que descrevesse de maneira compreensível situações inesperadas, veio acompanhado de cláusulas repletas de mal entendidos, lacunas e menções vagas, dando margem a litígios.
Ao observar situações ocorridas ao longo de 2020 que acabaram nos tribunais, cabe destacar alguns dos motivos que levaram um dos lados à Justiça para reparar eventual dano ou rescisão do contrato. Basta identificar nos acordos problemáticos citações genéricas, sem o devido detalhamento como “caso fortuito”, “força maior” e seus significados ou asteriscos que conduzem a palavreado obscuro com letra miúda, posicionados estrategicamente no final da folha.
Chega-se à conclusão que esses meios levantam mais dúvidas do que indicam uma direção para proteger ambos os lados na execução do contrato. A saída mais imediata para tentar resolver o infortúnio, com vistas a evitar ou atenuar prejuízos, foi a conciliação, concretizada pelo diálogo. No entanto, esse é um caminho até fácil de ser adotado, desde que contratante e contratado estejam cientes de que é preciso encontrar uma solução e até mesmo assumir certos prejuízos.
Por isso, a crença para os próximos meses – ainda sob vigência da pandemia e seus inesperados reflexos econômicos – é de que a revisão de documentos antes de sua formatação final comece a ganhar mais força e estabeleça novos padrões em 2021.
O objetivo dessas revisões, sempre sob a lupa de especialistas na área do direito imobiliário é evitar lacunas que só são identificadas tarde demais, quando o problema já aconteceu, sem chance de reagir em tempo hábil.
Se a pandemia trouxe o que se convencionou chamar de “o novo normal” nas mais diversas áreas de nossa sociedade, é preciso lembrar que de certa forma já caminhávamos para uma nova fase na celebração de contratos particulares. A Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estimula a não intervenção estatal na realização de negócios [essa já é uma conduta prevista na Constituição Federal em que há liberalidade econômica], como esses documentos particulares.
O incentivo à autonomia dos interesses privados, razão de ser da recente lei, tem trazido enorme impacto e importância legal àqueles que firmam parcerias, tendo a confiança mútua como fio condutor do sucesso do empreendimento.
Nesse cenário, o contrato particular ganha força e atenção redobradas, que só podem ser bem conduzidas com ajuda especializada. São esses profissionais que terão melhores condições de identificar falhas nos esboços dos documentos e, assim, incluir situações de risco que devem ser observadas antecipadamente pelas partes. Também devem observar a previsão de eventuais revisões totais ou parciais, no caso de excepcionalidades em plena vigência do acerto.
Um especialista terá maiores condições de estabelecer quais são estas eventualidades e o que cabe a cada uma das partes responder diante de tal fato como prazos de tolerância, suspensão temporária do acordo e critérios para reativá-lo. Vale ressaltar que os contratos devem ser analisados caso a caso. Por mais que haja um teor igual [locação de algum imóvel], as especificações e detalhes de cada situação são específicos.
De modo geral, alegar apenas motivo de “força maior” para deixar de cumprir sua parte no acordo não é suficiente. A orientação jurídica especializada, com base na legislação vigente, como a mencionada acima e outra como o Código de Defesa do Consumidor, pode direcionar, já no contrato a importância de se comprovar que a situação inesperada supera qualquer tipo de resposta, impedindo o andamento normal do negócio e até mesmo a mitigação do prejuízo.
Portanto, acionar um especialista jurídico é muito mais do que uma espécie de seguro do próprio contrato, ainda mais em se tratando de bens imobiliários. Na prática, a inclusão de um consultor é um investimento que trará segurança, à medida em que ele terá condições técnicas de fazer um pente-fino na minuta e verificar se o futuro acordo segue a legislação vigente, como seu prazo de validade, e os benefícios que aquele entendimento a ser formalizado no papel promete entregar na prática.
(*) – É advogada, administradora e pós-graduada em Direito Empresarial pelo ISAE/FGV. Sócia proprietária do escritório (www.borssukemarcos.com.br) é especialista em direito imobiliário, gestão patrimonial imobiliária e empresarial.