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Porque não existem mais casamentos entre grandes marcas e o futebol brasileiro?

em Destaques
sexta-feira, 04 de setembro de 2020

Lucas de Paula (*)

Patrocínio esportivo é como uma união conjugal. O clube deve entender os objetivos da marca parceira e criar planos para alcançar as metas da empresa dividindo esforços dentro de um relacionamento saudável. Nos últimos anos, nos acostumamos com a ausência de casamentos entre grandes marcas e clubes de futebol no Brasil.

Apenas para contextualizar o caos, em 2018, 15 dos 20 times da Série A eram patrocinados pelo mesmo banco estatal. Grandes indústrias com tradição em investirem no esporte, tais como a automobilística, de bens de consumo e grandes varejos, passaram a olhar outras oportunidades e, assim, se distanciaram do futebol brasileiro. Desta forma, selecionamos os cinco principais fatores que nos ajudam a entender esse divórcio em massa entre o mercado anunciante e os clubes de futebol no Brasil:

1) “Patrocinador bom é aquele que paga e não aparece aqui” – Marcas parecem fazer um favor aos clubes. Sem serem tratados como parceiros, são muitas vezes vistos apenas como fonte de renda, ou até mesmo como inimigos que criam obstáculos. Não há casamento que se salve quando não há parceria entre as partes.

Os clubes precisam construir plataformas que busquem alcançar os reais objetivos das marcas parceiras, que podem variar desde um aumento na conversão de um determinado target, ampliação do awareness em alguma região específica ou, até mesmo, a construção de um alto grau de engajamento através da criação de conteúdo relevante.

2) Clubes não enxergam valor na ativação de marca – Em geral, um patrocínio se divide em três momentos: (i) apropriar-se do ativo, (ii) comunicar-se com a comunidade torcedora através de conteúdo, e por fim, (iii) converter parte daquele target em potenciais clientes. Dito isso, grande parte dos gestores de clubes não costumam segmentar a receita gerada entre patrocínio e ativação e, em geral, não há preocupação com a comunicação. Por conta disso, a marca não atinge os resultados esperados – julgam-se insatisfeitas e, assim, desqualificam a indústria para o próximo exercício.

3) A globalização colocou um concorrente para dentro de casa (e a soberba não deixou os clubes reagirem) – A presença do futebol europeu é uma nova realidade no outrora dominante futebol sul-americano. O time spent do consumidor abaixo dos 30 anos já está sendo compartilhado entre jogos e conteúdos nacionais e europeus. Ao contrário da visão de que “nenhum jogador está acima do clube”, algo sempre pregado no futebol, hoje fica claro que as lendas não escrevem suas histórias acima ou abaixo de um clube, mas junto dele.

Sem a lenda, não há história, sem história não há engajamento, e sem engajamento não temos grandes marcas. A fórmula é simples, sem grandes jogadores, não existem grandes casamentos.

4) Geração de conteúdo relevante é caro, difícil e não ganha jogo – Como dialogar com o torcedor e entregar valor além do matchday? Um exemplo está na produção de branded content, algo que ainda é visto como um investimento de luxo. Pouco a pouco as TVs dos clubes se colocam como um suspiro de inovação em conteúdo, mas ficam muito aquém de uma construção de narrativa capaz de fazer torcedores irem a mais jogos, darem upgrade em seus programas de sócio ou comprarem mais produtos licenciados.

Além disso, o recorrente uso de estratégias de associações pontuais entre os clubes e parceiros não tão sólidos deteriora a imagem da instituição, afastando pouco a pouco as marcas que seriam grandes candidatas para casamentos de longa data.

5) Um clube para casar é aquele que é sólido, responsável e que cumpre com a palavra – Os principais clubes do Brasil tiveram pelo menos um escândalo institucional nos últimos 5 anos. Isso é muito sério e vai muito além de qualquer falta de capacidade de desenvolvimento de uma estratégia sólida de comunicação. É muito escândalo, muita insanidade e pouca segurança para anunciantes que zelam por suas marcas há tantos anos.

Em síntese, os clubes precisam urgentemente passar um recado de profissionalismo ao mercado anunciante, seja através da construção de uma liga ou da entrada de investidores.

O futebol ainda pode ser considerado um canhão de exposição com alto índice de engajamento, mas até ocorrer uma mudança significativa de posicionamento, vamos continuar vendo casamentos pontuais e sem tanto glamour acontecerem na indústria. Enquanto isso, assistiremos de camarote as grandes marcas dividirem o bolo com outros pretendentes.

(*) – É cofundador da OutFiled Consulting, uma consultoria focada nos negócios do esporte e do entretenimento (https://outfieldconsulting.com/#/home).