Carla Gavazzoni (*)
Você já deve ter ouvido a expressão “o cliente tem sempre a razão”, não é? Neste setembro, que tivemos o Dia do Cliente, gostaria de te convidar para uma reflexão sobre como o perfil do cliente mudou nas últimas décadas e porque essa expressão está desatualizada. Embora o cliente mereça o respeito absoluto – afinal, um negócio só existe por conta dele -, a verdade é que nem sempre ele tem a razão.
Seguir ao pé da letra essa expressão e tratar o cliente de forma que ele nunca esteja errado pode, na verdade, prejudicar a cultura interna de uma empresa e impactar a qualidade do atendimento em geral. Hoje em dia, os consumidores estão empoderados. Têm mais informação, sabem como arranhar a reputação das empresas e mudam de marca em um piscar de olhos.
Além disso, existem órgãos protetores dos direitos do consumidor, como o Procon e o Reclame Aqui, que atuam para equilibrar a relação entre clientes e fornecedores. É um cenário bem diferente de 100 anos atrás, quando surgiu o ditado que incentivava um tratamento mais respeitoso aos clientes. De lá para cá, a sociedade avançou para uma cultura de serviço, onde tratar bem o cliente é parte fundamental dela e, há alguns anos, começou uma transformação ainda mais profunda sobre a importância do cliente nos negócios.
O customer centricity (ou centralidade no cliente) passou a ser buscado por empresas de todos os portes e um verdadeiro desafio implementá-lo. Mas isso não significa que o cliente tenha sempre a razão. Uma companhia que até hoje segue esse mantra pode prejudicar sua experiência de atendimento. Explico melhor: quando ela orienta seus colaboradores para atuarem dessa forma, significa que eles irão gastar muito tempo e energia em poucos atendimentos, deixando de engajar com uma série de outros clientes, inclusive, com necessidades prioritárias.
Além disso, os agentes de atendimento perdem o empoderamento e a autonomia para solucionar casos simples baseados no propósito da empresa. É preciso tomar cuidado para que a relação de atendimento entre consumidor e atendente não se torne desrespeitosa e impacte a moral e o engajamento da equipe que está na linha de frente.
A realidade é que ninguém está certo o tempo todo e isso inclui os clientes. Às vezes, eles simplesmente estão mal informados sobre como um serviço ou produto funciona. E esta pode ser uma oportunidade para sua empresa atuar de forma proativa, com a inclusão de respostas à seção de Perguntas Frequentes, capacitação do time para lidar com as solicitações mais comuns ou ainda com a revisão de procedimentos que podem estar confusos.
Também é preciso preparar a equipe para lidar com aqueles clientes que são pouco razoáveis. Quero dizer, com os clientes que acabam tendo atitudes abusivas simplesmente por estarem no papel de clientes. Uma empresa que busca a excelência na experiência de atendimento precisa começar com uma experiência interna positiva para seus colaboradores.
Confiar neles e em suas tomadas de decisão, com procedimentos flexíveis em casos de insatisfação do cliente, pode beneficiar a empresa como um todo. Isso porque reduz a complexidade e o engessamento dos processos de qualidade para que o time de atendimento se torne parte ativa do processo de melhoria contínua por meio de feedbacks constantes sobre o que estão percebendo no dia-a-dia da operação.
Empoderar os times internos e também colocá-los no centro da experiência do cliente pode trazer benefícios de longo prazo para a empresa e para seus clientes.
Os tempos mudaram e, com eles, a filosofia de atendimento ao cliente. Como qualquer ditado popular, é preciso compreender seu real significado e o contexto em que foi criado. Mais do que isso, se ainda é aplicável à nossa realidade.
O objetivo deste ditado criado há mais de um século continua sendo o mesmo de hoje, que é proporcionar a melhor experiência possível aos clientes. Apenas a forma de fazer isso que mudou. Muitas empresas, especialmente as do ramo do varejo, estão se preparando para as grandes datas comemorativas de final de ano, como a Black Friday e o Natal. Seria o momento para refletir a estratégia de experiência do cliente que tem adotado?
Uma abordagem de CX cuidadosa, que equilibra as necessidades dos clientes com as necessidades do negócio e do ecossistema da empresa, certamente será a melhor solução.
(*) – É executiva de Customer Success da Zendesk. (www.zendesk.com).