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Os pais não ensinaram boas maneiras digitais. A escola também não. E agora?

em Destaques
sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Viviane Vicente (*)

A geração X e os baby boomers ainda muito ativos viveram a transição do analógico para o digital – após ouvirem LPs e singles (compactos), passaram ao CD, download e streaming. Antes se correspondiam por carta, depois telex, fax, e-mail (que ainda persiste), SMS e mais recentemente, através de múltiplas plataformas que atendem a vários perfis.

As gerações X e Y nasceram em uma época em que a internet não só havia sido inventada, mas já era efetivamente o meio primário de conexão com o próximo e com o mundo. Aos integrantes da Z fica até difícil explicar que existia outra maneira de se relacionar. Na maior parte dos lares, a educação recomenda que cumprimentemos as visitas e respondamos educadamente suas perguntas e comentários; quando tínhamos telefone fixo em casa, que ele fosse atendido com presteza e gentileza, e recados devidamente anotados.

Cartões de aniversário, festas de fim de ano e em agradecimento a presentes de casamento eram enviados e apreciados; na escola, “bom dia”, “por favor” e “obrigado” eram expressões praticadas como continuação da polidez aprendida em casa. A escola somente reforçava essas diretrizes, guiando o aluno a transitar na vida em sociedade.

Mas e a educação digital? Quem se encarrega de mostrar o caminho para demonstrar o mesmo respeito e cortesia em ambiente virtual, quando não se está cara a cara com o outro? Quando e como se deve responder a uma mensagem, seja ela escrita ou de áudio? Quais as consequências da “falta de educação” online? As redes sociais estão repletas de comentários maldosos e mentirosos; insultos velados e explícitos, e atentados à gramática, que não acrescentam nada a ninguém e nos dão a sensação de “desaprender”.

Mensagens utilizando mais emojis do que palavras tornam a comunicação rasa, deixando de demonstrar as reais intenções, ou, no mínimo, deixando grande margem para interpretação. E-mails de pessoas conhecidas, quando não respondidos, causam um sentimento de rejeição (que é processado pela mesma região do cérebro onde se manifesta a dor física).

Disso resultam diversas consequências, desde danos às relações pessoais até a perda de oportunidades de trabalho – já que recrutadores estão sempre de olho na presença digital de candidatos. Quais são os princípios da boa educação “à moda antiga” que ainda se aplicam nos dias de hoje, porém, em ambiente virtual?

  1. Respeito – Esse princípio deve governar todas as nossas interações. Respeito pelas pessoas, sua identidade, suas limitações e opiniões. Quando efetivamente demonstrado, o respeito genuíno permite criar relações interpessoais positivas, construir confiança mútua, e até a lidar com situações adversas, como mal entendidos e falhas na comunicação.
  2. Cuidado com a própria reputação – Nosso comportamento online e a exposição de nossas atividades devem ser guiados pelo seguinte raciocínio: você se orgulha dessa atitude? Suas ações estão de acordo com os valores da organização em que você escolheu trabalhar, e das pessoas de quem você decidiu se cercar? Suas atitudes demonstram respeito? Dependendo da resposta, sua reputação pode ser seriamente prejudicada em razão de um gesto tolo e impensado.
  3. Cuidado com a privacidade do outro – Você não é somente responsável por manter a própria imagem e reputação. Expor a privacidade do outro sem que ele o permita pode acarretar várias consequências, inclusive jurídicas. O respeito a privacidade e intimidade e o cuidado com as relações pessoais passa, também, pela cautela ao se comunicar em público.

Se você está no escritório, no aeroporto, na fila do fast-food ou em qualquer outro ambiente que não seja privado, não deve usar o viva-voz ou fazer chamadas de vídeo. A pessoa do outro lado da ligação não deve ter sua fala divulgada sem que não permita; uma chamada de vídeo expõe, além do seu interlocutor, todos os que estão a sua volta – e que tampouco concordaram em ter sua imagem exibida.

  1. Fofocar nunca é bacana – Encaminhar mensagem alheia a um terceiro, seja por e-mail, WhatsApp ou outro meio, pode ser uma maneira eficaz de transmitir a informação ipsis litteris. No entanto, mais uma vez, cuidado é necessário, pois você pode estar violando a privacidade ou confiança de alguém ao fazê-lo.

Se alguém te fez uma confidência, compartilhou uma emoção ou emitiu uma opinião durante troca de mensagens entre vocês dois, é como se tivesse dito algo em particular, sem a presença de outros, e que não fica gravado a não ser na memória.

Nas redes sociais, cada um escolhe o que quer partilhar a respeito de sua vida e com quem. Ficar bisbilhotando a vida alheia online e compartilhando posts apenas com a intenção de espalhar notícias que não são suas não é uma atitude louvável.

  1. Não deixe ninguém “no escuro” – Se você se preocupa em manter boas relações, sejam elas de natureza social ou profissional, deve demonstrar isso. Ao receber uma mensagem de alguém que conhece, você tem que respondê-la. Responda, ainda que seja com uma breve nota. Até mesmo um “não” é melhor do que nenhuma resposta – pelo menos a pessoa saberá que você não está interessado na oferta dela, e poderá seguir em frente. Qualquer um pode entender que você é ocupadíssimo – o difícil é entender a falta de consideração.

Essa resposta não pode vir dez dias depois. Para SMS ou via WhatsApp, melhor responder o quanto antes, mas sempre no mesmo dia. Para e-mails, no máximo em um dia útil. Pense assim: você sabe que deixar alguém falando sozinho na sua frente é uma grosseria, certo? Pois não responder a uma mensagem é o equivalente eletrônico disso.

A “boa educação” e as “boas maneiras” não tratam de formalidade ou frescura: elas tratam de não causar incômodo nem ofensa a ninguém. No ambiente digital, guardar essas premissas ajudará a manter uma conduta respeitosa, preservar as relações e causar a melhor impressão. No final das contas, o importante é lembrar que existe uma pessoa de verdade do outro lado.

(*) – É Consultora de Comportamento Organizacional e Competência Cultural e Fundadora da Rispetto Consulting – empresa projetada para ajudar indivíduos e organizações a navegar no mundo globalizado e aprimorar seu potencial de liderança (https://rispettoconsulting.com/).