Cássio Krupinsk (*)
Quem já foi impactado pela expressão tokenização provavelmente a viu em sua forma completa, com o termo tokenização das coisas. O que a grande maioria das pessoas certamente não viu é a explicação de qual “coisa” estamos falando aqui. Não é coincidência a ausência de especificação.
Afinal, esse processo nasce da renovação que a tecnologia blockchain traz para os tempos atuais. Hoje, é possível levar para o ambiente digital vários ativos e bens do mundo real. Assim, não é um movimento restrito a um outro mercado (ou a uma ou outra coisa), mas atende literalmente a todas as coisas.
Em um futuro próximo, tudo o que possui valor poderá ser tokenizado: casa, automóvel e até animais. Diversas pesquisas comprovam esse mercado em expansão. Projeção da consultoria MarketsandMarkets, por exemplo, mostra que a tokenização movimentou US$ 2,3 bilhões em 2021 e deve chegar a US$ 5,6 bilhões em 2026, um crescimento médio anual de 19% no período.
Entre os motivos listados para esse crescimento estão justamente a popularização de pagamentos e transações sem contato e a maior busca por tokens entre consumidores e empresas. Setores como varejo já começam a perceber as vantagens desse processo, enquanto outros ainda têm uma demanda reprimida. Atualmente, o tipo de tokenização mais comum é justamente a de recebíveis.
Ou seja, a empresa ou pessoa transforma um valor ou bem que tem a receber em tokens para gerar liquidez, e o investidor se beneficia de uma taxa de desconto do recebível futuro, que o dono do ativo ira dispor como lucro da operação.
É o que se vê no mercado de investimentos como um todo, em que fundos tokenizam diferentes ativos em troca de uma quantia financeira. Ou então no mercado imobiliário, com a utilização de tokens para gerar novas modalidades de negócios dentro do ecossistema.
Entretanto, é um erro pensar que o processo de tokenização se limita a isso. Na verdade, é uma pequena fração do que é possível fazer. A ideia é que, num futuro bem próximo, seja possível tokenizar outras coisas além dos recebíveis — de fato, já há empresas que ultrapassaram essa onda com a oferta dos tokens superestruturados.
Nada mais são do que soluções que permitem ao dono do ativo criar seu próprio token em diferentes modalidades — o que impacta tanto o mercado primário quanto o secundário. Pense, por exemplo, no agronegócio. Hoje, um dos principais recursos de financiamento do setor é a Cédula de Produto Rural (CPR), uma espécie de entrega futura de determinado bem, como a criação de gado.
Na lógica dos recebíveis, a tokenização seria em cima da emissão desses títulos. Mas por que não tokenizar o próprio gado? Essa medida elimina intermediários, proporcionando mais agilidade nos negócios. Evidentemente há desafios nesse modelo.
Tokenizar um título de crédito pode ser algo mais simples do que um boi, o que inclui questões como custódia física, rastreabilidade de cada unidade, controle da cadeia de venda, representação jurídica, entre outras situações. O tempo que o processo de tokenização leva também não vai acompanhar sempre a necessidade de cada proprietário.
O desenvolvimento de um token superestruturado chega a ser dez vezes mais demorado que um token estruturado, que é facilmente lançado ao mercado em poucos dias dependendo do perfil do ativo. Em casos mais complexos, esse prazo pode chegar a um ano, por exemplo.
Porém, isso não quer dizer que, enquanto esse token está sendo estruturado (o que exige grande regulamentação jurídica e tecnológica), não pode atuar no mercado. Pelo contrário, a maioria dos projetos tem etapas rápidas de lançamentos de tokens iniciais que posteriormente irão incorporar o projeto de forma mais ampla.
Uma espécie de soft opening, por assim dizer. Dessa forma, é possível construir continuamente uma relação de interesse do ativo com o mercado e os potenciais usuários.
Da mesma forma que o e-commerce se consolidou como um canal de vendas para todos os setores, a tokenização vai atingir o mesmo status rapidamente. Não só porque já existem diversos projetos por aí, mas justamente pelas possibilidades e vantagens que oferece tanto para as pessoas quanto para as organizações.
O futuro já está a nossa frente. O que faremos diante dele é o que vai determinar o sucesso, ou não, de nossa adaptação a essa nova forma de fazer negócios e girar o mundo.
(*) – É CEO da BlockBR, fintech de digital assets marketplace e investimentos. E-mail: ([email protected]).