Simone Neri (*)
É certo que a situação de confinamento pode ser útil e até mesmo uma questão de sobrevivência em tempos de Covid-19. Mas avaliar o impacto sobre a saúde física e mental da população torna-se imperativo. Estudos em animais, como em gado bovino, demonstrou que animais em situação de confinamento sofrem violação de seu espaço gerando aumento da agressividade causando impacto do desempenho individual, além do surgimento de distúrbios comportamentais.
Para tentar minimizar e até mesmo tratar precocemente as sequelas físicas desse período de mudança brusca de estilo de vida, proponho uma visão mais abrangente da saúde. Sabemos que toda situação de estresse emocional, e entenda-se ai a pressão psicológica da incerteza do contagio por um vírus até então sem um tratamento efetivo apesar dos diversos protocolos em andamento, pode desencadear alterações orgânicas que variam de pessoa a pessoa, além do próprio confinamento em si, que pode gerar situações de conflitos familiares.
No final do século passado, Louis Pasteur demonstrou num estudo pioneiro a correlação da alteração do sistema imunológico em um grupo de animais submetidos a uma situação de estresse extremo. Ele provou nesse trabalho, que galinhas expostas ao estresse apresentavam maior susceptibilidade a infecções bacterianas quando comparadas as galinhas livres.
De lá para cá, milhares de estudos tem sido contundentes em comprovar que inúmeras doenças podem ser agravadas ou até mesmo desencadeadas em situações de estresse como patologias de origem cardiovascular (infarto, derrame), metabólica (diabetes) gastrointestinal (úlceras e colite), infecciosa (herpes, gripes, infecções cutâneas bacterianas), câncer, além de doenças mentais como depressão entre outras.
De acordo com a OMS, o estresse afeta mais de 90% da população mundial, não sendo sequer considerada uma patologia em si, mas sim, um fator de adaptação e proteção do corpo contra agressões externas. Ao sermos submetidos a uma situação de estresse o corpo responde com uma reação em cadeia que pode ser dividida em três partes:
1 – Alarme – comparando a um leitor de código de barra, o corpo rastreia essa informação e ativa o sistema neuroendócrino que, em resposta, libera substâncias numa cascata fisiológica resultando na liberação dos hormônios do estresse: a adrenalina e o cortisol, que aceleram o batimento cardíaco, dilatam as pupila, aumentam a sudorese e os níveis de açúcar no sangue, reduzem a digestão, contraem o baço estimulando-o a inundar a circulação sanguínea com células novas a fim de oxigenar melhor os órgãos. Enfim, uma reação que possibilita o ser humano a se preparar para a “batalha” que está por vir, passando assim para a segunda fase.
2 – Adaptação – nesse ponto, é feita uma “nova leitura” e reconhecido dos estragos causados. O corpo se prepara para adaptar esses hormônios a níveis fisiológicos novamente e tudo volta ao normal. Porém, se o estímulo agressor permanecer, pode levar o corpo ao terceiro estágio.
3 – Exaustão – onde as alterações biológicas entram em esgotamento com déficit das reservas de energia, podendo levar a condições de agravamento de doenças pré-existentes ou o surgimento de doenças agudas, e o corpo por si só não é capaz de dar um re-start.
O estresse agudo, repetido inúmeras vezes pode, por essa razão, trazer consequências desagradáveis, incluindo disfunção das defesas imunológicas. Mas então, o que fazer num momento onde o stress é a palavra de ordem e o confinamento é uma questão de sobrevivência?
Talvez não exista uma resposta única e sim, muitas:
1- Procure levar uma rotina dentro da quarentena com horários que sejam dedicados a atividades físicas como limpeza da casa, cuidados com as plantas, pequenas tarefas manuais;
2- Cuide da alimentação de forma tranquila, sem mudanças bruscas como dietas restritivas rigorosas ou ingestão desordenada de calorias, afinal, o equilíbrio é o melhor caminho;
3- Pratique ações positivas como leitura, música, ou filmes que melhoram seu astral. Evite notícias de pânico e redes sociais que lhe coloquem em situações de contrariedade;
4- Assim que acabar o isolamento obrigatório passe em consulta com um médico de sua confiança para avaliar sua saúde global, para que os danos do confinamento sejam os menores possíveis.
(*) – É dermatologista e membro do corpo clínico da Rede D’Or e plantonista do PS do Hospital São Luiz.