Alaercio Nicoletti Junior (*)
O mundo parece aos poucos, em alguns lugares com maior e outros com menor velocidade, sair do estado catatônico provocado pela pandemia, e simula um novo equilíbrio com retomada de parte da demanda reprimida em tempos da covid-19, embora com novas conformações de consumo, num movimento que estimula um aquecimento regional e global dos negócios.
O atendimento a essa necessidade de produtos é limitado pela falta de insumos e componentes nas cadeias produtivas, tendo como exemplo semicondutores, plásticos, móveis e químicos. Algumas indústrias em especial, como as do setor automotivo e de eletrônicos, sentiram em suas linhas fabris a ruptura de fornecimento de materiais com a parada de produção. O desafio é entender quais são as causas que geram a quebra da produção, e encontrar soluções para restabelecer uma normalidade de produção.
Vale uma reflexão: com o aumento da demanda, aparecem as ineficiências das cadeias produtivas, ineficiências essas que geralmente já existiam antes da pandemia e foram potencializadas devido ao represamento do consumo por quase dois anos, exigindo respostas rápidas em um cenário que ainda não tem uma normalização de suprimentos, face às diferentes realidades vividas nos países e localidades.
O que se observa é o que na engenharia de produção estudamos dentro da filosofia do Lean Manufacturing (Manufatura Enxuta), em que os desperdícios da cadeia logística geram um colapso no Sistema produtivo. São exemplos de desperdícios a ociosidade, citada anteriormente, e o não balanceamento do mercado, que gera indisponibilidade de certos produtos em detrimento do excesso de outros. Nos EUA, esse cenário é reforçado pela carência de mão-de-obra geral e por rupturas na cadeia logística.
Segundo o relatório do ISM (Institute of Supply Management) de agosto, o novo normal da produção convive com longos prazos de entrega de componentes e insumos, escassez de mão-de-obra e de produtos devido à demanda. Interessante notar que o ISM confirma um aumento expressivo dos estoques (de 5,3 para 54,2%). Contudo, o que cresceu foi a quantidade de produtos em processo (semiacabados), aguardando peças para sua finalização e consequente expedição para venda.
Além disso, motivado por esse desequilíbrio de suprimentos, tem-se, por exemplo, a existência de filas de caminhões com alto tempo de espera nos terminais ferroviários para carga e descarga, o que acarreta ociosidade de equipamentos (caminhões) e motoristas/operadores e, consequentemente, encarece o frete, além de causar a fuga de profissionais que não conseguem receber o mínimo aceitável e a dificuldade de reposição das vagas.
Na zona do euro, segundo a agência Reuters, os ofensores que seguram o aumento da produção são as interrupções nas cadeias de suprimentos de insumos e a preocupação com o progresso da variante Delta. Já no Brasil, as redes produtivas locais, como o agronegócio, parecem funcionar bem, visto que o ritmo de recuperação da demanda e produção são acompanhados por uma malha logística ansiosa por retomar seu potencial no ritmo local de aumento do potencial de consumo.
Contudo, as operações que envolvem cadeias globais estão freadas pelos motivos expostos, e a expectativa é que isso infelizmente perdure por um bom tempo, até os desperdícios serem reduzidos a níveis administrados ou o retorno à normalidade global volte a escondê-las com outras ineficiências existentes, ao menos até que outra crise atinja e as exponha novamente. Há, entretanto, alguns pontos de atenção adicionais que a indústria brasileira deve prestar atenção, especialmente nessa retomada, face à necessidade de aceleração das atividades e ao cenário de competição mundial.
O primeiro ponto de atenção consiste na defasagem tecnológica e metodológica do Brasil. Em um estudo recente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), realizado no final de 2019 e publicado um pouco antes da chegada do coronavírus, nosso país precisa reduzir seus custos em R? 73 Bi por ano para sua indústria tornar-se mundialmente competitivas. Esse valor só tende a aumentar a partir de uma normalização do mercado.
Some-se a isso que mais de 50% das empresas de pequeno e médio porte não aplicam ou sequer conhecem de forma minimamente estruturada os princípios básicos da manufatura enxuta. Assim, é preciso investimentos não só em tecnologia, mas sobretudo em métodos que assegurem que o sistema produtivo esteja enxuto e em condições de receber inovações que se paguem num espaço razoável de tempo.
Igualmente importante é o entendimento da demanda e a racionalização dos recursos face às necessidades do mercado sem gerar excessos de determinados produtos em detrimento da escassez de outros. O balanceamento da produção nesse momento de escassez, é fundamental o entendimento das reais necessidades do mercado acima da possível “euforia” do consumo. Uma análise sóbria do cenário de consumo pode evitar uma sobre produção distorcida que gerará estoques futuros proibitivos, enquanto outras demandas deixarão de ser atendidas.
Por fim, fica o insight e o desafio para aproveitarmos o momento para desenvolvermos nossas capacidades de desenvolvimento, investirmos na aproximação universidade-empresas e potencializarmos o país no mundo da tecnologia. Exemplificando com os semicondutores, que hoje estão em falta em todo o mundo devido a quedas de produção em países da Ásia, somos um dos cinco maiores produtores de ferrosilício do mundo, exportamos o mineral e posteriormente o compramos processado por um valor muito superior.
Com investimentos adequados, estímulo governamentais, participação das empresas e das cabeças que já estão há décadas pensando no assunto, podemos sair de uma posição tecnológica historicamente passiva e remodelar toda a indústria brasileira no sentido da competitividade.
(*) – É professor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, coordenador do curso de pós-graduação Engenharia de Sustentabilidade no Mackenzie e Gerente de Sustentabilidade do Grupo Petrópolis.