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O bumerangue da Inteligência Artificial

em Destaques
segunda-feira, 06 de março de 2023

Danilo Talanskas (*)

Um recente artigo no New York Times e replicado em português no jornal O Estado de São Paulo sob o título “ChatGPT força universidades dos EUA a mudar”, fala sobre a chegada desta tecnologia nos bancos universitários americanos. O artigo discorre que um professor de filosofia da Universidade do Norte de Michigan leu um trabalho de uma disciplina de estudos de religiões e disse que era o melhor artigo da turma.

Porém havia um detalhe. O trabalho foi feito usando o ChatGPT, um chatbot que usa inteligência artificial (IA) para apresentar informações e gerar reflexões com frases simples. Nesse caso, tinha escrito o todo o ensaio. O artigo continua mostrando a verdadeira revolução nos departamentos de ensino das maiores universidades americanas, no sentido de se avaliar os estudantes. O foco será dado nas chamadas orais, trabalhos e provas escritos à mão e trabalhos em grupo.

Uma tarefa gigantesca, em sistemas acadêmicos há muito tempo fundamentados no crescente uso de inovações virtuais de todos os tipos. O desenvolvimento tecnológico é tão acelerado, que lembra o efeito de um bumerangue. Parte com toda a velocidade para novos ventos e novos horizontes, mas frequentemente volta com toda mesma velocidade…para o básico!

Nunca poderia pensar que voltaríamos aos tempos de valorização de provas escritas à mão nas universidades. Por mais que avancem os processos de ensino e as ferramentas de tecnologia, ainda nada substitui o principal canal de aprendizado do cérebro que é a leitura. Isto acaba se refletindo na capacidade de um profissional de desenvolver-se em sua área de especialidade.

Temos um arsenal imenso de áudios, vídeos, mas a base real de todo o tipo de pesquisas está na capacidade de se absorver conhecimento através da leitura. As ferramentas de busca fazem milagres nunca imaginados, mas se toda esta capacidade ficar apenas no “copy/paste”, de nada nos ajuda. É melhor a profundidade de um livro bem lido, do que um emaranhado de buscas na internet não absorvidos.

Sempre imaginei que havia um abismo intransponível entre os métodos de aprendizado de minha infância e os atuais. No ensino fundamental, quando eu tinha que fazer um trabalho escolar, enfrentava uma verdadeira maratona. Tinha que sair de casa, ir a uma biblioteca pública, buscar pelo livro indicado pela professora, e em uma mesa da biblioteca copiar em meu caderno o trecho, ou trechos de diversos livros. As copiadoras vieram mais tarde.

Em seguida, voltava para casa e “passava a limpo” o trabalho de uma forma bem caprichada. O que hoje vejo, faz-me sentir que nasci séculos atrás. Aprendi, porém, a manusear livros, pesquisar e lê-los. Acontece que os livros estão aí até hoje, sejam físicos ou digitais, assim como artigos e notícias. Ganhei assim na infância esse tesouro inestimável.

Não conheço nenhum profissional de vanguarda, de qualquer área, seja negócios, medicina, engenharia, direito ou qualquer outra, que não tenha uma alta capacidade de ser autodidata, de pesquisar e com “fome e sede” de conhecimento. O “bumerangue da tecnologia” sempre vai depender do ponto mais básico dos básicos: a busca, a leitura, o ouvir aulas e seminários, ou assistir vídeos, até mesmo para se conhecer mais sobre as novas tecnologias.

Conforme as gerações avançaram tecnologicamente, também avançaram as distrações que desviam do aprendizado. Vieram a televisão, os videogames, a internet, a capacidade infindável de buscas de qualquer assunto. Com tudo isto veio também a capacidade de bloquear o próprio conhecimento, pois é isto que acontece quando estudantes simplesmente copiam textos da internet, sem mesmo estudá-los.

Sem perceber, esta herança vai para a prática profissional, tornando a pessoa superficial e sem base para enfrentar os seus desafios. Depois de quase dois anos de um MBA de tempo integral no exterior, eu teria tudo para ficar muito satisfeito com o que aprendi. O resultado, porém, foi o desespero de constatar o quanto eu NÃO sabia e tomar a decisão de que não deixaria isto acontecer comigo novamente.

Por mais que novos recursos sejam aperfeiçoados e inventados, o “bumerangue” sempre volta para o básico. Talvez algum dia inventem um chip ou algo parecido que permita “carregar” no cérebro novos conhecimentos. Enquanto isso, vale a antiga sabedoria bíblica, de aprendermos “preceito sobre preceito, linha sobre linha”, absorvendo tudo o que precisamos em todas as áreas de nossa vida.

Alguns não percebem que a volta do bumerangue pode causar um choque perigoso para a própria cabeça. O último post que vi, mostra um estudante que fez um trabalho pelo ChatGBT, impresso em uma impressora a laser. O texto sai escrito com uma caneta, como se fosse à mão, com a caligrafia do próprio estudante. Qual será o próximo capítulo para burlar levianamente o autoconhecimento?

A grande maioria dos que aqui leem passaram pelo aprendizado através da “linha sobre linha”. Talvez o artigo possa ajudar na formação das novas gerações de profissionais, para que possam reconhecer o “bumerangue” … e mudar!

(*) – Formado em Administração de Empresas pela Presbiteriana Mackenzie, com MBA pela Universidade de Brigham Young, é mestre em Administração pela UFRJ e assessor da Fernandez Mera Ltda. (https://www.danilotalanskas.com/).