Marcella Klebis (*)
O varejo latino-americano está diante de um novo modelo de compras. O conceito “Compre Agora Pague Depois” (BNPL — Buy Now, Pay Later, em inglês) é muito mais que um crédito rotativo e deve agitar marcas e lojistas para incluírem essa modalidade entre os meios de pagamento que oferecem aos seus consumidores. O modelo remete, em parte, ao formato que tínhamos em alguns países há algumas décadas com uso dos antigos carnês de pagamento, mas a modalidade BNPL demanda muito mais do que muitos imaginam.
Em qualquer situação em que seja necessário comprar algo, definitivamente a facilidade de pagamento define todo o processo de aquisição, garantindo a satisfação dos clientes. A competição entre diferentes bandeiras, formas de pagamento e os avanços tecnológicos trazem benefícios para a região, especialmente em um cenário no qual as condições econômicas serão desafiadoras. Segundo o Banco Mundial, a região da América Latina e Caribe deve ter uma desaceleração acentuada, para 1,3% em 2023, antes de alcançar 2,4% em 2024, devido aos efeitos das altas taxas de juros e aumento da inflação, entre outros fatores. Vale lembrar que, em 2022, a economia regional cresceu 3,6%. Com isso, a questão passa a ser: como reinventar o modelo de pagamento e, ao mesmo tempo, oferecer novas possibilidades aos clientes para atrair mais compradores que não possuem dinheiro para pagar no ato da compra?
Não há dúvidas sobre a continuidade dos cartões de crédito. Eles não vão desaparecer tão cedo e continuarão na lista de preferência dos consumidores por conta de todas as facilidades que oferecem. Apaixonados por avanços e comodidade, os brasileiros, por exemplo, rapidamente aderiram aos cartões de crédito e o uso anual ultrapassa o marco de R$ 2 trilhões. Em outros países da América Latina, o uso do cartão de crédito também é altamente representativo. Para comprar algo, você precisa ter a capacidade de pagar. Originalmente, os cartões de crédito ampliavam as opções com linhas de crédito, rendendo juros sobre saldos devedores em um modelo simples de entender e operar. As possibilidades aumentam graças a uma maior oferta e ao interesse dos consumidores por novas formas de parcelamento para suas compras. Nesse cenário, o formato BNPL tende a crescer e a boa notícia é que já existe tecnologia para endereçar essa tendência, reduzindo as barreiras de compra.
Existem questões sutis na distribuição, no uso e nos preços do BNPL que tornam essa modalidade diferente dos cartões de crédito. O BNPL é digital e, na maioria dos casos, opera como um circuito fechado. Ainda encontra um importante nicho de uso no consumo online, mas tem capacidade de estar ao lado do segmento de cartões e criar seus próprios trilhos de pagamento. Integrando-se com os principais gateways de pagamento e provedores de serviços, pode atingir uma grande quantidade de varejistas.
Por volta de 1850, tivemos o começo dos pagamentos em quotas e a disponibilidade das mercadorias somente depois da quitação total das dívidas. Agora, o BNPL chama a atenção por prever a entrega de produtos logo após o pagamento da primeira parcela, podendo inclusive ter uma gratificação instantânea assim que a capacidade de crédito do comprador for analisada. Por ser mais usado para a compra de itens específicos de maior valor, cria uma rede de segurança psicológica na mente do cliente de que ele não está gastando além de seus recursos financeiros e faz com que honre com o pagamento por ter um compromisso maior com aquela determinada compra.
O modelo de negócios do BNPL é tão antigo quanto os primeiros empréstimos com juros. O interessante é que o BNPL obtém grande parte da receita do próprio comerciante, que paga uma taxa fixa e uma porcentagem que pode variar de 2% a 8%. Pode ser usado também como ferramenta promocional para impulsionar as vendas, além de ser mais acessível.
Dos consumidores, os juros e as multas por atraso também são fontes de receita. Na América Latina, há razões para acreditar que o uso do BNPL irá aumentar, frente às dificuldades crescentes da população por acesso a crédito e uma série de startups surgindo para fornecer justamente isso.
Como a maioria dos negócios em crescimento, há uma corrida para cadastrar clientes que possam monetizar e de comerciantes interessados em gerenciar melhor seus negócios. Nessa jornada, a próxima mudança que teremos provavelmente será a migração do modelo online para o da loja física, que ainda responde por cerca de 75% do comércio mundial. Novas tecnologias já estão aptas para resolver as questões de integração entre sistemas nos pontos de venda e agilizar a interação com os clientes para evitar atrasos presenciais no checkout. Os lojistas dependem de fluxos automatizados de informações entre seus diversos sistemas de pagamento e os operadores de BNPL precisarão implementá-los. Isso nunca é fácil em um ambiente competitivo como o de varejo, especialmente em grande escala e em lojas menores.
A consolidação do mercado está em jogo e o relacionamento com os clientes talvez ajude na cobrança de melhores taxas por parte dos varejistas. Da mesma forma como redes de hotéis trabalham para fidelizar clientes, movimento semelhante será intensificado no varejo, com a vantagem que as novas ofertas de BNPL poderão ser personalizadas conforme o interesse e a capacidade de compras dos clientes. Com isso, todos ganham, principalmente os consumidores latino-americanos.
(*) É Diretora Comercial Cone Sul Ingenico.