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Mindfulness – será que vale a pena entender o que é isso?

em Destaques
segunda-feira, 01 de fevereiro de 2021

Miriam Rodrigues (*)

Assim como na moda, na qual temos coleções que mudam a cada estação, também nas notícias que são divulgadas – seja na mídia para massas, seja em publicações voltadas a nichos específicos – não é incomum nos depararmos, num certo período de tempo, que pode durar meses ou até anos, com o mesmo assunto batendo incessantemente à nossa porta.

Isto tem ocorrido com o tema Mindfulness já há algum tempo, constituindo objetivo deste texto apresentar fatos e dados a respeito deste assunto, evitando-se, basicamente, dois extremos: o excesso de detalhes e floreios, que nos distanciam da necessária precisão, ou ainda a superficialidade insípida, que não agrega e que às vezes afeta a credibilidade do que é lido. Quando li “O ócio criativo”, na década de 90, escrito por Domenico de Masi, cheguei a acreditar, embora por pouco tempo, que a tecnologia poderia favorecer, de maneira equilibrada, as atividades relacionadas ao estudo, ao trabalho e ao lazer.

Quase 30 anos depois, é possível observar a crescente produção e procura por textos, livros e estudos relacionados ao estresse, e mais especificamente relacionados ao tecnostresse, que, como o próprio nome sugere, trata-se daquele estresse que se relaciona com uma avaliação subjetiva negativa diante do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e que, de uma maneira geral, ocorre quando existe uma percepção de desequilíbrio entre as demandas de trabalho e a viabilidade para sua execução, conforme apontam Carlotto e Wendt (2016), em estudo no qual procuraram relacionar o tecnoestresse e seus impactos na carreira, satisfação com a vida e interação trabalho-família.

Nosso entendimento é de que não existem muitas dúvidas a respeito do fato de que vivemos hoje numa sociedade do estresse, ou ainda numa “Sociedade do Cansaço”, livro escrito pelo coreano Byung-Chul Han e traduzido para o português em 2015, que busca propor alternativa à vida hiperativa que caracteriza a contemporaneidade, oferecendo a ideia de uma vida contemplativa, onde os indivíduos digam “não” ao excesso de estímulos que recebem.

Atualmente, observamos que a prática de mindfulness constitui, dentre outras, uma alternativa que vem sendo testada e aprovada por muitos daqueles que objetivam driblar o estresse da vida cotidiana, seja com foco em melhoria da performance, seja com foco em qualidade de vida, sendo que o aumento pelo interesse neste assunto, por indivíduos, empresas e escolas, tem crescido consideravelmente, tendo por base os bons resultados que podem ser obtidos.

As professoras Marina Carpena e Carolina Menezes, da UFRG e UFSC, em pesquisa realizada em 2018, explicam que a prática meditativa pode ser definida como um treino sistemático de regulação da emoção e da atenção, direcionando nossa consciência para o momento presente, minimizando toda e qualquer distração, potencializando o desenvolvimento de maior estabilidade mental e emocional.

Assim, o mindfulness pode ser compreendido como um estado cognitivo e afetivo de atenção plena, ou seja, uma consciência menos condicionada ou automatizada e com maior capacidade de observar, descrever, aceitar e não julgar ou reagir. Vale o destaque para o fato de que o conceito de mindfulness é herdeiro de duas tradições de pensamento, uma que remete à ciência Ocidental e outro à espiritualidade Oriental, conforme observam os autores Vandenberghe e Assunção, em um texto de 2009, no qual compararam estas duas tradições.

A primeira delas, emergiu da pesquisa da professora americana Ellen Langer, que há mais de 40 anos pesquisa o tema na Universidade de Harvard. Segundo a Professora Ellen, mindfulness é prestar atenção no que está acontecendo sem se apegar ao passado e sem projetar o futuro. A referida professora começou a se interessar pelo assunto quando começou a refletir sobre situações nas quais as pessoas cometiam atos aparentemente inexplicáveis, como esquecer as crianças dentro do carro.

Seus estudos sinalizaram que as pessoas fazem isso quando estão no estado mindless (com a consciência vazia), ou seja, quando enxergam a situação apenas por uma perspectiva e, principalmente, sem prestar atenção no momento presente. Suas pesquisas ao longo dos anos, sinalizam que as pessoas que agem de acordo com os princípios mindful (consciência cheia), são capazes de encontrar melhores soluções para problemas, além de terem as taxas de estresse reduzidas.

Viver no piloto automático é algo que pode levar, segundo a professora Langer, os indivíduos a cometerem injustiças ou até crueldades, sem existir tal intenção, como nos casos de atos preconceituosos e utilização de estereótipos. Quando nos comparamos com outras pessoas de maneira frequente, por exemplo, e de modo automático, estamos, ainda que inconscientemente, promovendo sentimentos relacionados à inveja, culpa e atitudes defensivas que podem ser desnecessárias, tornando ainda mais rígido o conceito que temos de nós mesmos.

Se não temos uma noção clara do que fazemos, se nosso pensamento não está concentrado, corremos o risco de desconsiderar importantes dimensões de nosso comportamento, inclusive as éticas. Em outras palavras, não prestar atenção plena ao contexto e não integrar novas informações pode conduzir a erros importantes de julgamento.

A segunda tradição de pensamento, teve início a partir do trabalho do, também americano, Jon Kabat-Zinn, professor Emérito de Medicina e diretor fundador da Clínica de Redução do Stresse e do Centro de Atenção Plena em Medicina, na Escola Médica da Universidade de Massachusetts, que introduziu a meditação budista na prática clínica.

O treino de mindfulness foi inicialmente introduzido por Kabat-Zinn em 1982 como tratamento para dor crônica, mostrando-se também eficaz para outros problemas, como transtornos de ansiedade e estresse. Este tratamento consiste em práticas de meditação formal e informal, baseadas nas práticas do zen budismo. As primeiras atividades incluem exercícios de varredura corporal (body scan) e respiração consciente.

Cada vez que uma preocupação, lembrança ou julgamento surgem, a pessoa a saúda, deixa que ela vá embora e volta novamente a dedicar atenção plena ao exercício. A prática da varredura corporal é feita com o corpo imóvel e a atenção é focada nas sensações em diferentes partes do corpo. O praticante deve ficar em silêncio, permitindo que as sensações se apresentem, sem tentar controlá-las. Já no exercício de meditação com foco na respiração, o foco converge para as sensações e percepções intrínsecas e extrínsecas, por exemplo, os ruídos ambientais.

Rotinas de alongamento e exercícios informais como a realização de atividades com plena atenção, sem julgamento e elaboração intelectual também podem ser utilizados, constituindo elementos importantes na formação de hábitos relacionados à plena atenção. Tanto os estudos de Langer como os de Kabat-Zinn, dentre outros, sinalizam que é necessário existir constância na prática para que possamos obter os benefícios que desejamos.

A psicóloga Claudia Faria destaca que, apesar de ser mais facilmente praticada em aulas e locais próprios, com um instrutor, a meditação também pode ser feita em outros ambientes como em casa ou no trabalho, por exemplo. Para aprender a meditar sozinho, é necessário praticar diariamente as técnicas por 5 a 20 minutos, 1 ou 2 vezes ao dia. Para os adeptos de tecnologia, aplicativos de meditação como o Headspace e o Walzen também podem contribuir.

Quanto aos exercícios informais, podemos começar com práticas simples, como comer uma uva passa, prestando atenção plena a todos os seus aspectos, como cheiro, variação de cor, textura e sabor. Como o próprio professor Kabat-Zinn nos lembra, não importa qual será a atividade que você vai escolher e sim a maneira de realizá-la, pois os exercícios são apenas pretextos.

Se vale a pena praticar mindfulness? Certamente é uma decisão particular, mas, depois que entendemos um pouco mais a respeito e conhecemos os benefícios decorrentes desta prática, fica difícil resistir à tentação.

(*) – É doutora em Administração de Empresas pela FGV e atua como docente na área de Gestão de Pessoas e Comportamento Organizacional e coordena os Cursos de Graduação Tecnológicos EaD do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.