Suzana Cremasco (*)
A litigância predatória é uma prática que se caracteriza pela apresentação de múltiplas ações similares em diferentes jurisdições ou pelo uso de estratégias processuais que buscam sobrecarregar a contraparte ou o próprio Judiciário, causando insegurança jurídica e congestionamento processual.
Frequentemente, essas práticas são implementadas com o objetivo de obter decisões favoráveis baseadas em falhas do sistema ou em interpretações judiciais que não refletem a maioria dos casos. Trata-se, portanto, de uma verdadeira “loteria jurídica”, em que se utiliza o processo de maneira excessiva ou inadequada, desviando-se do propósito original de tutela dos direitos em questão.
No Brasil, o fenômeno da litigância predatória tem se tornado uma preocupação crescente, especialmente em setores sensíveis, como o tributário, financeiro e de relações de consumo. Contudo, esse não é um problema exclusivamente brasileiro. Em outros países, como nos Estados Unidos, práticas similares têm sido observadas, especialmente em casos de litígios massificados.
A experiência internacional demonstra a necessidade de uma resposta articulada entre órgãos reguladores, tribunais e entidades de classe. Somente uma atuação coordenada pode prevenir e combater essas práticas, seja por meio de penalidades mais rigorosas para abusos processuais, seja pela implementação de mecanismos que possibilitem a triagem adequada de demandas repetitivas.
Do ponto de vista ético, a litigância predatória representa um atentado à própria noção de justiça. O advogado, que deve atuar como agente da pacificação social e guardião da ordem jurídica, muitas vezes se vê seduzido pelo ganho financeiro e acaba por violar os princípios de lealdade, honestidade e probidade que regem a profissão.
A captação indevida de clientela, a promessa de decisões judiciais favoráveis e a cooptação de pessoas e instituições para obtenção de vantagens judiciais são práticas que não apenas ferem a ética, mas também comprometem a integridade da advocacia enquanto profissão essencial à administração da justiça.
O Conselho Nacional de Justiça e a Ordem dos Advogados do Brasil vêm promovendo debates e implementando medidas para combater a litigância abusiva. Iniciativas como a instituição de metas para redução do acervo de processos e a intensificação da fiscalização ética são passos importantes nesse sentido.
Além disso, a criação de barreiras procedimentais, como o filtro de repercussão geral e a imposição de multas por litigância de má-fé, são exemplos de ações já em curso que têm contribuído para o enfrentamento desse problema. No entanto, é indispensável que se promova a conscientização dos próprios jurisdicionados sobre os prejuízos causados pela litigância predatória.
É fundamental que o público entenda que o uso abusivo do Judiciário não só compromete sua eficiência, mas também encarece o acesso à justiça para todos. A disseminação de uma cultura de responsabilidade no litígio é uma das estratégias que pode contribuir para reduzir a incidência desse tipo de prática. É preciso ter consciência de que a litigância predatória é um fenômeno complexo que vai além do simples ajuizamento excessivo de ações.
Ela representa uma distorção do direito de acesso à justiça e afeta negativamente a sociedade como um todo. Combater esse problema requer um esforço conjunto de todos os atores do sistema de justiça – magistrados, advogados, promotores, entidades de classe e cidadãos –, além de um compromisso contínuo com a ética e a legalidade.
Somente assim será possível contribuir para que a justiça no país seja cada vez mais acessível, eficiente e equânime para todos.
(*) – Doutora em Direito pela UFMG é Professora de Processo Civil do IBMEC e sócia fundadora do escritório Suzana Cremasco Advocacia (https://suzanacremasco.com.br/).